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terça-feira, 19 de abril de 2011

A Rosa Vermelha

A Rosa Vermelha



Valter Machado da Fonseca

Eu vi a semente no solo, vi água abundante;
Vi o solo rachando, a planta nascendo, crescendo...
Das folhas frágeis, do broto débil, delicado e sutil;
Desabrocha a rosa vermelha, da cor da centelha.
O mesmo fogo matreiro destrói a essência da vida;
A terra outrora fecunda, agora imunda, terra sofrida!

Senti o pé da criança que gerou a esperança;
Um futuro perfeito, do amor satisfeito.
Senti o olhar do felino espreitando o destino.
Senti o olfato do cão que afugenta o ladrão;
O olhar satisfeito do mesmo sujeito;
Que plantara a semente da rosa vermelha, da cor da centelha.

O mesmo solo fecundo, agora imundo, esconde a maldade;
O tempo esquecido, o planeta aquecido, a chama cortante;
A fumaça escura, que esconde o luar, apaga as estrelas;
Transformando a noite de aquarela, em apenas mais uma tela;
Vazia, nua, sem cores, difamando os amores, realçando os odores.
O lodo fétido, contaminado e desbotado, na chama da vela.

Hoje tudo é árido, desértico, insuportável.
O mesmo sol que aquecia a flor espalha o odor;
Da carne perdida, dos corpos putrefatos, sem vida...
O vento que acaricia a pele e afasta o calor;
Agora traz a tormenta, causa o terror, espalha a dor.
Da criança que gerou esperança, só resta o pavor.

A rosa vermelha bela e radiante... tão distante!
Só existe na memória, na lembrança constante, do eterno retirante.
A rosa vermelha, moderna, virou cogumelo;
De cor escura, espalha a loucura, a morte sofrida.
No solo onde vi a semente, apenas mais uma cova.
Inscrito na cruz, reluz a mensagem...
Aqui jaz a rosa vermelha, do tempo da terra “selvagem”.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Chacina em Realengo: antiética, estética e autofagia

Valter Machado da Fonseca*
O país literalmente parou, horrorizado e boquiaberto com o “espetáculo” de horrores apresentado na Escola Municipal Tasso da Silveira em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro.  À primeira vista, a notícia teve uma repercussão estrondosa, como se fatos como este não fossem corriqueiros no Brasil. Como se, quase que cotidianamente, crianças não fossem assassinadas brutalmente em diversas cidades brasileiras, como se quase todos os dias, pessoas não fossem espancadas, freiras não fossem assassinadas por jagunços, indígenas não fossem incendiados vivos, se homossexuais não fossem espancados e/ou assassinados, como se prostitutas não fossem apedrejadas, como se mulheres não fossem estupradas ou violentadas todos os dias nas grandes cidades do país. Não! Caro (a) leitor (a)! A repercussão foi tão assustadora porque o sujeito [assassino] em questão resolveu agir “por atacado”, utilizando-se de crianças inocentes e em um local supostamente seguro [a escola]. Ele resolveu colocar a olho nu, de forma despida, todas as contradições de um sistema cambaleante e decadente.
Assim, a repercussão midiática foi relâmpago, surpreendentemente eficiente. Em poucos minutos a notícia já era manchete nos principais meios de comunicação mundiais. Aliás, a mídia tem uma parcela considerável de culpa em tragédias dessa envergadura. Quase sempre [para não dizer sempre] a mídia destaca casos de terrorismo por semanas e até meses a fio. Mostram todos os ângulos de um “homem-bomba” em ação, voltam para esses indivíduos seus holofotes mais potentes. Acabam por fazer com que esses sujeitos passem de reles assassinos a representantes de “grandes causas”. Na verdade, dão a eles aquilo que mais querem: seus minutos de poder e fama. A mídia, no fim das contas, faz a verdadeira apologia ao terror, em nome da informação isenta de intenções. Este amplo respaldo midiático acaba por encorajar outras pessoas que veem nesses assassinos seus representantes legítimos.
Nos dias subsequentes à matança de Realengo, temos assistido na esmagadora maioria dos canais de TV, diversas sessões de psicologia, psiquiatria e parapsicologia. Enfim, são sessões de psicoterapia coletivas presididas por psicólogos de plantão de todas as cores e matizes. Eles querem saber o que se passou na mente, na cabeça daquele assassino. É uma atitude absolutamente normal em um indivíduo desajustado mergulhado num contexto social marcado pela corrupção, pelas maracutaias, pelos esquemas de propina, pelos assassinos de colarinho branco, por esquemas de fraude. Afinal, o que diferem esses criminosos do maníaco de Realengo? O que esperar de um sujeito desajustado e mergulhado no meio da impunidade, da injustiça, do latrocínio. Querem achar culpados: já acusaram a escola, a população, a segurança pública, o Islã, dentre outros. Mas, em nenhum momento, apontaram o dedo na direção correta: o sistema que privilegia o consumo acima de qualquer outra coisa, que desumaniza o ser humano, que banaliza as relações humanas, que mede a educação por números e cifras e nunca pela qualidade, que premia os criminosos do colarinho branco e que, desgraçadamente, vive à custa da miséria, da doença e da decadência dos valores humanos.
É na ação social que o sujeito forma sua consciência. No caso do maníaco em questão sua consciência [se é que ele tem uma] é fruto de um contexto social marcado pela ética e pela estética da burguesia necrosada, deteriorada pelo câncer social. Alguns tentaram justificar o massacre de Realengo pelo bullying do qual foi vitima o maníaco. Mas, afinal o que é o bullying senão uma manifestação da ética burguesa em função de sua própria estética? Uma estética que nasce de padrões pré-estabelecidos pela burguesia, que convencionou para si mesma que o ser humano aceitável é branco, machista, louro, magro [de preferência malhado], que tem uma linguagem própria, que se dá bem com as garotas ou com os rapazes. Os que não se enquadram nestes padrões, ou seja, os feios, gordinhos, tímidos, que usam grossos óculos de lentes, negros, homossexuais, são o rejeito social. Este é o resultado da podridão da estética de uma sociedade burguesa carcomida pelo câncer social.
Caros leitores! Não adianta buscar respostas para a ação demoníaca do assassino de Realengo. Ele é fruto das contradições de um sistema cuja derme sangra em lepra. De um sistema necrosado, carcomido pelo câncer que gera tumores dos quais se expele a gosma do preconceito, da discriminação e da injustiça social. Ele é fruto de um sistema que come a si mesmo, um sistema autofágico por excelência.


* Escritor, Geógrafo pela Universidade Federal de Uberlândia, Mestre e doutorando em Educação também pela UFU.  machado04fonseca@gmail.com

sábado, 2 de abril de 2011

O pão nosso de cada dia (1)

Prof. Ms. Valter Machado da Fonseca*
Há dias atrás, o JM publicou um artigo de minha autoria intitulado “A mídia e o veneno que nos servem à mesa”, que fez muito sucesso. Prova disso é a quantidade de e-mails que recebi de diversas partes do país e até do exterior (Portugal, Argentina, Espanha). O objetivo desse artigo não é discutir o sucesso de meu texto. Citei o fato, pois ele nos remete a algumas importantes reflexões. Os e-mails recebidos mostram a relevância do tema “saúde”. “obesidade”, “alimentação saudável”. Demonstram ainda a preocupação de parte da população [que não aparece nas estatísticas oficiais] em relação à saúde. Então, resolvi dar continuidade às reflexões sobre esta relevante temática. Enviarei ao JM uma série alternada de contribuições sobre este assunto.
Hoje tratarei de um assunto bastante polêmico e que vem sendo, sistematicamente, discutido nas grandes rodas de pesquisas científicas das áreas de saúde humana: a transgenia ou melhoramento e/ou clonagem de espécies vegetais e animais. Nas últimas décadas, o avanço das técnicas de engenharia genética colocou em foco a questão da transgenia, isto é, a produção de organismos geneticamente modificados (OGM). Um OGM é um ser vivo obtido ao introduzir-se, em uma espécie biológica, de forma estável e hereditária, um gene mediante mecanismos de DNA recombinante, o que implica no fato de que, pela primeira vez na história, a transmutação de genes permitiu romper a barreira entre as espécies.
O Conselho de Informação sobre Biotecnologia – CIB (2004) informou que, em 1994, o primeiro transgênico chegou às prateleiras dos supermercados: um tomate, desenvolvido para ter mais sabor do que o comum e suportar maior tempo de armazenamento. No ano seguinte, a primeira variedade de soja transgênica foi introduzida no mercado. Estas evidências mostram somente a “ponta do iceberg”, hoje, além do tomate e da soja, diversas espécies geneticamente modificada têm sido colocadas nos varejões e prateleiras dos supermercados à disposição dos consumidores. Grande variedade de produtos “vistosos e bonitos” é colocada, diariamente, à nossa disposição no mercado, a exemplo de hortaliças, legumes, grãos e carnes de todos os tipos. Agora, além de nos preocuparmos com os herbicidas/pesticidas lançados sobre os alimentos e depois infiltrados no solo contaminando-o juntamente com as águas, temos que nos preocupar ainda com aquilo que a gente não vê, pois ocorre em nível de DNA: a transgenia de alimentos.
E, por trás de todas essas experiências, da qual as cobaias somos nós mesmos, existem os grandes grupos multi/transnacionais que ficam, cada dia mais, bilionários à custa dessas experiências com a saúde humana. Eles controlam todo o processo produtivo da indústria agronômica, farmacêutica e de alimentos. Os pequenos produtores ficam à sua mercê, pois dependem deles para a aquisição de sementes [já que não adianta selecionar os grãos, pois eles não têm mais potencial germinativo], aquisição de insumos, pesticida, herbicidas, dentre outros agrotóxicos.
Isto impede que os pequenos produtores pratiquem a agricultura de subsistência e/ou familiar, devido ao grande cartel oligopolista, formado pelos gigantes genéticos, os quais estipulam preços incompatíveis com as práticas dos pequenos produtores, uma vez que esses preços são estabelecidos para atender a realidade da monocultura voltada para a exportação. Enquanto o homem brinca com pesquisas sérias, em troca do lucro, nós assistimos à volta de doenças antigas e o surgimento de novas. Assim, vamos deixar para os nossos filhos e netos um monte de doenças, alimentos artificiais e pragas, decorrentes da ganância humana, muitas vezes chamada, equivocadamente, de “progresso e desenvolvimento”. Neste sentido, alguns poucos grupos ganham fortunas à custa do sofrimento, miséria e morte de grande parcela da população, principalmente os mais humildes.


* Escritor, Técnico em Mineração, graduado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia, Mestre e doutorando em Educação também pela UFU. Pesquisador da área de “Alterações climáticas” Professor da Universidade de Uberaba – UNIUBE. machado04fonseca@gmail.com