Prof. Dr. Valter Machado da Fonseca (2020) |
Prof. Dr. Valter Machado
Fonseca
Após algum tempo sem postar;
resolvi libertar um pequeno desabafo que me atormenta, um devaneio, daqueles
que surgem do nada, em meio ao silêncio das madrugadas. Trago comigo, o tempo
todo, dois valores aprendidos com meu saudoso pai, dos quais jamais abrirei
mão, sinceridade e coerência e é com base neles que rabisco este singelo texto.
Estes tempos sombrios, obscuros,
que beiram ao barbarismo e pelos quais todos (as) nós estamos atravessando não
surgiram do nada, em absoluto, eles têm um grande sentido, muito significado.
Esses tempos servem para que façamos uma introspecção profunda, uma imersão em
nós mesmos, em nossos pensamentos, em nossas consciências, que busquemos
sentido naquilo que parece não ter sentido algum, que parece-nos até absurdo.
São em tempos como esses que
surge a oportunidade ímpar de se fazer o balanço de nossas existências, daquilo
que talvez nos seja mais caro, daquilo que habita a intimidade mais oculta de
nossas consciências. São nesses tempos que podemos medir as coisas, os
sentimentos, as emoções, os valores éticos e morais, que podemos comparar a
arrogância com a simplicidade, as vaidades com a humildade, a prepotência e o
ódio com o amor. São nesses tempos mais cruéis, de mortes das consciências
humanas, que o universo nos dá a chance, a oportunidade da busca profunda de
nós mesmos, de quem somos nós, do “ser” neste mundo.
Existe um dito popular que
afirma que os amigos (as) de verdade a gente os descobre nos momentos de
incertezas, de opacidades, de crueldade, de angústia. Assim, apesar de parecer
um clichê, esta afirmação surge de maneira a comprovar as supostas inverdades
que até então pensávamos se tratar de verdades inquestionáveis. É meus caros
(as) amigos (as)! “O poço das vaidades não tem fundo” e isto se evidencia em
tempos como estes. Pessoas nas quais acreditávamos cegamente, que julgávamos
inquestionáveis, emergem dessa realidade cruel como nebulosidades, cujos
discursos nos pareciam legítimos e verdadeiros, são, de fato, a afirmação de
uma falsa consciência, forjada por elas em tempos ditos “normais” para enganar-nos
e talvez até mesmo iludir a si próprios e, esses discursos, dissociados da ação
prática no mundo, emergem nestes tempos com toda sua força, com toda sua
atrocidade.
Desta forma minhas caras (os) amigas
e amigos, por mais contraditório que pareça ser, estes tempos de pandemia, de
isolamento social, tem me servido para submergir nas próprias águas que formam
o oceano de minha consciência, nas regiões abissais de meu próprio ser. Nos
breves intervalos de meus estudos, ao som de uma suave e boa música, ao
delicioso sabor do ressonar de minha amada companheira nas madrugadas frias de
nossa Viçosa, muitas vezes me pego a pensar sobre coisas como essas. Aí, após
muito relutar comigo mesmo, resolvi compartilhá-las.
Muitos que até então eu
considerava muito próximos se distanciam, o que me permite compreender o abissal
distanciamento entre os discursos e suas práticas, verifica-se uma lógica
“ilógica” de muitos que, em nome de uma suposta inclusão, excluem cruelmente,
pelo simples motivo de enxergarem o mundo com outras cores, de pensarem
diferente de suas “verdades dogmáticas”, definitivas. Muitos são os que se
agrupam para se protegerem de si mesmos, si afirmam supostamente iguais,
ignorando, por completo, as diferenças inerentes do ser humano. Criam-se “guetos”
e cuja sobrevivência depende da ilusão de uma dogmática, contraditória e
constante autoafirmação diante de amplos setores marginais desta sociedade. E,
diante disso, estes somente são capazes de perceber o preto e o branco,
incapazes que são de perceber as outras cores que compõem o espectro do arco-íris.
Por outro lado, são também em
tempos como estes, sombrios, tediosos, opacos, desnudos, quase vazios, que
surgem outros que até então estavam distantes ou, simplesmente não conhecíamos
e que passam a fazer parte essencial de nossa existência, entram como tijolos
na construção de nossa consciência, tornam-se partes fundamentais de nossa
construção como sujeitos históricos e sociais, enquanto seres humanos
inacabados que somos, conforme afiança o nosso grandioso e inesquecível Paulo
Freire.
Para terminar, caros amigos e
amigas, tenho a absoluta certeza que, após esta pandemia, voltarei de forma
diferente, com novos aprendizados, com o fortalecimento de meus valores
essencialmente humanos, fortalecido pela descoberta de novas pessoas, de outros
olhares e talvez, também um pouco triste diante da desilusão e da decepção com
outros que acreditava firmemente que fossem meus (minhas) amigos e amigas. Mas,
com toda certeza, sairei desta desventura como um ser humano muito melhor, com
o fortalecimento da firmeza de minhas convicções nesta sociedade de desiguais.
Deixo um beijo carinhoso nos
corações de todos (as) meus amigos (as). Gratidão a todos (as) que se
aproximaram de mim neste momento de tanta angústia e solidão! Gratidão a todos
(as) que, apesar de minha incompletude, ainda confiam e insistem comigo
ofertando carinho, afeto e amizade. Se, no momento, não consigo mudar o mundo,
mudo a mim mesmo, tento acrescentar algo melhor à minha incompletude enquanto
ser inacabado.
Deixo a vocês uma simples frase
de Lev Davidovich Bronstein, o Leon Trotsky, “Com absoluta certeza, a história
é mais forte que os grupelhos e que os aparelhos contrarrevolucionários” e
completo com Dostoievski: “Haverá um tempo em que a miséria e a opressão não
serão mais que simples cicatrizes na história”. Fiquem em paz e se cuidem,
vocês são deveras importantes para mim!
CRÉDITOS DA FOTO: Carmen Lucia Ferreira Silva (julho, 2020)
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