O retrato da poluição Fonte: vivaterra.org.br |
Valter
Machado da Fonseca[1]
Há três atrás aconteceu em Copenhague (Dinamarca) a tão
esperada conferência do clima. Mas, aqui cabe a pergunta: Que conferência? Qual
conferência? Sim! Estas perguntas são necessárias, uma vez que supostamente
teríamos uma conferência mundial para debater o grande problema das alterações
climáticas. Porém, o que se viu em Copenhague foi um circo montado para uma
demarcação de posições políticas, uma demonstração de poder. Mas, que tipo de
poder? O poder pernicioso do discurso enganoso, vazio, obscuro, supérfluo,
porém cheio de promessas para um futuro incerto e nebuloso.
O mundo inteiro esperava pela tão propalada conferência de
Copenhague. O mundo todo esperava ouvir dos chefes de estado, presentes no tão
esperado evento, propostas que visassem, pelo menos, minimizar os graves
problemas ambientais que angustiam toda a humanidade neste limiar de século
XXI. O planeta todo esperava ouvir dos grandes dirigentes das diversas nações,
que eles estão de fato preocupados com o futuro da Terra e da humanidade e, que
apresentariam propostas palpáveis e executáveis para enfrentar esta importante
problemática. Todos os povos [e quando digo povos não me refiro aos
governantes] esperavam que os dirigentes das mais diversas nações tivessem a
dignidade e a humildade de se despir da arrogância advinda da ganância pelo
lucro a qualquer custo, em detrimento de recuperar a saúde ambiental do
planeta. Que deixariam de lado a luxúria, a ostentação e a hipocrisia e, pelo
menos uma vez na vida, abandonassem suas vaidades pessoais, o jogo do poder,
para dizer ao mundo que, como dirigentes, têm responsabilidades com os destinos
da humanidade e com o futuro da Terra e das gerações futuras.
Mas que nada! O que o mundo viu foi um discurso truncado,
cheio de armadilhas, carregado de hipocrisia e que, no fim das contas, visava a
atender somente os anseios do lucro dos grandes grupos e conglomerados
inter/multi/transnacionais. O que se assistiu foi um discurso leviano que
reafirmava o poder dos ricos sobre os pobres, que reafirmava a linha que traça
a divisória do abismo que separa os países pobres do hemisfério sul, dos países
ricos do hemisfério norte. Aí fica uma pergunta: o que os países africanos
foram fazer nesta conferência? O que os países da Ásia Central foram fazer
nesta conferência? O que os países da América Latina foram fazer lá? Foram
justificar o discurso dos países ricos.
Qual a contribuição dos
EUA e da União Europeia no debate do clima?
Que nada! O que o mundo presenciou foi a prepotência dos
EUA tentarem, desesperadamente, recuperar o lugar de destaque outrora
conquistado pelo dólar [e os petrodólares], o discurso aflito e ausente, miúdo
e caquético de Barack Obama tentando recuperar seu lugar perdido de líder
mundial. O que o povo viu foi a figura desesperada de uma chefe norteamericano,
totalmente aturdido e ainda abalado pela crise econômica mundial do
capitalismo, tentando resgatar seu lugar de principal dirigente da economia
mundial. O que a população de todo o planeta viu foi
uma Europa, carcomida, falida, sem nenhum discurso, sem nada a dizer, suplicar,
reclamar seu lugar também outrora perdido, de “centro do universo”. Uma Europa
que destroçou seus próprios recursos naturais, com uma política de “olhar para
o próprio umbigo”, de não saber, jamais, o significado da palavra “planejamento
industrial e urbanoambiental”. Dois
polos: EUA e União Europeia, que mostraram, mais uma vez, total incompetência
para gerir os recursos do planeta e os destinos da humanidade. Dois polos que
já demonstram não possuir nenhum discurso que tenha qualquer conteúdo relativo
à responsabilidade socioambiental.
E a China?
A República Popular da China foi o terceiro polo do evento
mundial. Considerada uma nação “emergente”, um país que tem seu desenvolvimento
econômico calcado na total ausência de quaisquer formas de planejamento
urbanoindustrial, a China cresce devorando seus recursos naturais nos moldes
das demais nações capitalistas. É considerada, hoje, um dos principais polos de
emissão de poluentes para a atmosfera.
Nesta conferência, a China foi duplamente atacada: pelos
EUA e pela União Europeia. No fundo as acusações contra a nação chinesa não
foram devido ao aumento dos gases estufa emitido por ela, mas por sua constante
ameaça à supremacia política e econômica dos dois blocos supracitados. A
questão da emissão de poluentes para a atmosfera serve, perfeitamente, de
pretexto para frear seu processo de crescimento industrial, o que eliminaria a
ameaça às supremacias dos EUA e da UE. Isto vem expor, por completo, a essência das
discussões e dos debates que marcaram o evento: o eixo das discussões foi
desviado para as disputas geoeconômicas e não para os debates em torno das ações
objetivando combater o problema do aquecimento global.
E os países pobres ou
[como prefere a maioria dos estudiosos] países em desenvolvimento?
Esses assumiram atitudes frágeis, inconsistentes, débeis,
covardes até, tentando, desesperadamente um lugar, junto a um desses dois
polos. Na verdade, os discursos dos governantes dessas nações eram os mais
esperados, pois, traziam aquele fio de esperança quanto aos destinos do
planeta. Nada disso aconteceu! Os discursos dessas nações serviram, exatamente,
para reafirmar as posições dos países ricos, para justificar seus discursos
obscuros, ardilosos, vazios. Isto ficou claro no pronunciamento da delegação
brasileira que, num tom abaixo, foi uma reprodução fiel do discurso de Obama. A
fala do dirigente brasileiro fez parecer que sua tarefa era chefiar sua
delegação numa expedição ao “muro das lamentações” [com todo o respeito à fé
muçulmana]. Aliás, o discurso brasileiro na conferência foi orquestrado, de um
lado pelo presidente francês [porta voz da União Europeia] Nicolas Sarcozy e de
outro por Barack Obama [porta voz norteamericano].
O que se tirou de
objetivo? De concreto? De prático?
Nada! Absolutamente nada! O que restava do Protocolo de
Kyoto foi rasgado em público pelos países ricos e jogado no lixo pelos países
“em desenvolvimento”. Nenhuma meta decisiva para a redução de poluentes foi
construída. Nenhuma ação prática de responsabilidade socioambiental foi
edificada. Nada se fixou em relação às queimadas e desmatamentos. Nenhum prazo
foi estipulado. Nem parecia que o tema central do evento eram as alterações
climáticas. O que se sabe é que cifras astronômicas foram gastas [jogadas fora]
com a preparação da conferência tão esperada. Do que aconteceu nos bastidores
do evento, nada se sabe apenas se imagina. O que se pode dizer, com toda
certeza, é que tudo se debateu, exceto as problemáticas socioambientais, em
especial as alterações climáticas, que foram deixadas para segundo plano.
E agora, o que fazer?
Os resultados da conferência não apontaram nada de concreto,
nenhum fio de esperança foi tecido. Nas entrelinhas dos discursos dos
principais chefes de Estado, presentes no encontro, o que se pode perceber foi
a falta de compromisso, de responsabilidade para com os graves problemas
socioambientais que tanto angustiam a humanidade neste início de século.
Pode-se perceber que os dirigentes mundiais não estão nada preocupados com tais
problemas, mas extremamente preocupados em manter suas regalias, seu poderio
bélico, político e econômico. Que eles trocam e trocarão, sempre, a saúde
ambiental do planeta pela mais valia, não importando com as consequências dessa
opção. Que não possuem nenhuma proposta para quaisquer formas de planejamento
socioambiental, muito menos para a diminuição de poluentes para a atmosfera.
Qual a esperança daqui
em diante?
Por incrível que pareça, existe um fio de esperança. E
esta esperança está nas mãos da população mundial, nas mãos do povo. Na
verdade, a única forma que restou para se debater as grandes questões
ambientais da atualidade passa, exatamente, pela participação direta das
populações das diversas nações do mundo. Se os governos não estão preocupados,
o povo está. Só a organização popular, cientistas, estudantes, professores,
universidades, movimentos sociais, sociedade civil organizada, possuem o poder
de pressionar esses governantes, para que assumam suas responsabilidades em
relação aos graves problemas socioambientais da sociedade moderna. Só esses
setores podem exigir que os governantes abandonem o discurso superficial e
vazio, que abandonem a hipocrisia e a covardia e assumam atitudes corajosas,
para fazer valer as funções inerentes aos cargos que seus povos lhes confiaram.
Neste sentido, a organização e pressão populares são fundamentais para que se
saia do impasse gerado, principalmente a partir desta conferência. A partir das
mobilizações organizadas desde a base, torna-se possível traçar ações práticas
e efetivas visando à minimização dos impactos socioambientais que colocam em
risco a saúde ambiental do planeta e a continuidade da existência da espécie
humana.
Como concluir o balanço
de um evento que nada discutiu?
O balanço do evento de Copenhague leva a duras e terríveis
reflexões. A situação ambiental do planeta está à mercê de especulações
paliativas e superficiais, muito próximas dos anseios e do lucro das grandes
corporações multi/transnacionais e muito distantes dos anseios e bem estar das
populações, de se apresentarem enquanto propostas práticas e concretas para
superar os problemas e os desafios socioambientais da atualidade. O rescaldo do
encontro de Copenhague foi extremamente negativo.
Um fracasso! Um fiasco! Essas duas expressões traduzem bem o que foi a
Conferência de Copenhague. O que podemos concluir é que o evento não existiu,
mas os problemas existem, o aquecimento global é um fato real, e como tal deve
ser combatido. A solução para os problemas socioambientais da sociedade moderna
exige ações políticas, mudanças de comportamento, ações que levem a um efetivo
planejamento industrial e urbanoambiental global.
Se a Conferência Mundial de Copenhague não apontou nenhuma
solução, a ação política passa a ser uma responsabilidade dos diversos setores
organizados da sociedade. Portanto, agora é nossa a tarefa de chamar este
debate, é tarefa das escolas, dos educadores, universidades, estudantes,
movimentos sociais, cientistas, enfim, dos diversos setores da sociedade
organizada tomar nas mãos os desafios de construir ações locais/globais e
globais/locais, visando à minimização dos graves problemas socioambientais que
tanto angustiam a humanidade, nesse limiar do século XXI.
[1] Valter Machado da
Fonseca é Técnico em Mineração pela Escola Técnica Federal de Ouro Preto (MG).
Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (MG). Mestre em
Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia
(FACED/UFU). Doutorando em educação,
também pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. É
professor da Universidade de Uberaba/MG (UNIUBE).
Nenhum comentário:
Postar um comentário