Foto: Wordpress (2013) |
Prof.
Dr. Valter Machado da Fonseca
Você já parou para
refletir sobre as coisas “invisíveis”? Sobre os objetos que não têm nenhuma
importância? Em quase todas as residências sempre tem aquele objeto que não acrescenta
nem diminui o aspecto do ambiente interno da moradia. Pode ser um par de
sapatos, uma roupa velha, uma peça de porcelana ou mesmo um bibelô barato. Pois
bem! Assim também é na nossa sociedade.
Quantas vezes você já
parou para perguntar o nome da mulher ou do homem que varre a sua rua? Quantas
vezes você já os cumprimentou? Quantas vezes você perguntou o nome do
ascensorista de seu prédio ou do jardineiro de seu
condomínio? E aquele mendigo que sempre está na esquina?
Aquela criança ou aquela mulher que dorme debaixo da marquise? E aquele catador
de lixo? É chique a gente nominar seu ofício: “enchemos a boca” para dizer que
ele trabalha com os “recicláveis”, ele cuida do nosso meio ambiente. Mas, na
verdade, será que alguma vez já nos preocupamos em saber como é a vida dessas
pessoas? O que elas pensam do mundo, da vida? Será que podemos considerar
trabalho a atividade das pessoas que sobrevivem dos restos do que consumimos?
Será que podemos considerar digno o trabalho das pessoas que sobrevivem do lixo,
que reviram “os restos” das famílias abastadas em busca de alimentos para matar
sua fome? Qual o projeto, qual a perspectiva de vida das pessoas que, durante
365 dias por ano, passam 24 horas sem saber se estará vivo no dia seguinte?
Caro (a) leitor (a)!
Estas indagações mexem com nossa cabeça. Fazem-nos perguntar qual projeto de
vida será capaz de resgatar a nossa hombridade, os nossos valores humanos? Como
reconstruir os valores que podem reedificar a essência da existência humana?
Quais projetos de homem e de natureza podem justificar a existência humana
neste planeta?
Há alguns anos [não
me lembro bem quantos] um animal [um boi] premiadíssimo na ExpoZebu engasgou
com um pedaço de osso que estava na ração. Lembro-me que havia,
aproximadamente, 12 veterinários em volta do animal. Aquela cena me chocou. Não
que o animal não merecesse os cuidados, mas seria necessária uma dúzia de
médicos para cuidar de um simples animal? Aí me veio à mente os milhares de
pessoas que enfrentam, cotidianamente, as filas do SUS pelo país afora,
desesperados à espera não de uma dúzia, mas de apenas um médico para
consultá-lo. Veio-me à mente as centenas de pessoas que morrem nessas filas por
falta de profissionais. Aí eu me pergunto; por que aquele boi precisa de doze profissionais?
Por que ele vale mais que uma vida humana?
Prezado (a) leitor
(a), o fato é que este modelo de sociedade coisifica o homem e a natureza.
Atomiza as pessoas como partículas insignificantes. O homem nesta sociedade não
passa de um objeto, descartável, cuja única função é vender sua força de
trabalho em troca do florescimento da mais valia: fio condutor e ponto
nevrálgico do modelo de desenvolvimento da sociedade capitalista contemporânea.
O homem e a natureza são, sistematicamente, transformados em mercadoria a
serviço do lucro. Os doze veterinários em volta do boi são o símbolo que
expressa a centralidade da preocupação com o lucro, acima de qualquer coisa. O
que estava em jogo naquela cena não era a preocupação com a bela aparência do
animal, mas, sobretudo, o desespero, o medo de perder o lucro que aquele animal
poderia proporcionar. E não proporcionou, pois ele morreu.
Assim, a ética [ou a
falte dela] nesta sociedade substitui os valores humanos pela mais-valia, pela
ganância inesgotável do enriquecimento a qualquer preço. É por isso que existem
seres humanos que vivem na penumbra, à margem da vida e da sociedade. É por
isso que existe a sociedade dos “invisíveis”, dos humanos “descartáveis”. Pois
bem, caros (as) leitores (as), é preciso que comecemos a pensar em como superar
estas contradições, pois corremos o sério risco de, em um tempo futuro, não tão
distante, assistirmos ao retrocesso à idade das cavernas ou ao avanço aos
tempos da barbárie, onde o homem poderá tornar-se predador direto de sua
própria espécie, autofágico em toda a extensão da palavra.
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