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sexta-feira, 27 de abril de 2012

O CÓDIGO FLORESTAL: A inoperância, hipocrisia e falta de representatividade do Congresso Nacional!

Foto: Desmatamento na Amazônia brasileira.     Fonte: brasildiario.com

Valter Machado da Fonseca*
Quase às vésperas da conferência Rio+20, que supostamente ousará fazer um balanço da Rio+10, da conferência Rio 92 e da eficácia da Agenda 21, o Congresso Nacional dá exemplos vexatórios do descaso dos parlamentares para com as principais questões ambientais, sobre as quais o Brasil deveria servir de exemplo para o restante do mundo. No momento em que a problemática ambiental assume seu mais alto pico de gravidade em todos os cantos do planeta, em que os problemas socioambientais saltam aos olhos de todas as populações de todas as nações do planeta, o Congresso Nacional brasileiro dá mostras claras de sua total incompetência, inoperância e de falta de compromisso para com todos os setores da população que o elegeu.
Chega a ser indecente a posição e a hipocrisia dos nossos “digníssimos” representantes parlamentares, que não primaram em nenhum momento pela discussão e o debate sério das grandes questões ambientais colocadas em pauta, no relevante debate sobre a dita “reforma” do Código Florestal [CF] brasileiro. O que se viu, o que transpareceu de forma cristalina, nos debates em torno das alterações do CF foi a total falta de seriedade e de compromisso no trato com a problemática ambiental, que tanto aflige a população mundial e, em particular o Brasil.
Os debates em torno do CF demonstraram total desinformação técnica e científica em torno das temáticas envolvidas no CF, para não dizer total despreparo e ignorância por parte dos parlamentares envolvidos. Os debates em torno do CF atingem frontalmente a Amazônia brasileira. “Segundo dados dos centros de pesquisas internacionais, a Amazônia brasileira, que ocupa 4.871.000 km2, cerca de 61% do território nacional, é o grande atrativo em uma época  em que a biotecnologia agrega valor à biodiversidade. O valor dos serviços de ecossistemas e capital natural representa 33 trilhões de dólares atuais, quase duas vezes o produto interno bruto (PIB) mundial. No Brasil, estima-se que este valor atinja 45% do PIB, considerando-se somente a atividade agroindustrial, a extração de madeira e pesca. A Amazônia possui 30% de todas as sequências de DNA que a natureza combinou em nosso planeta, um estoque genético que representa fonte natural de produtos farmacêuticos, bioquímicos e agronômicos.” (CONSERVATION INTERNACIONAL, 2009). Ainda, conforme pesquisas da mesma organização científica, estima-se que existam de 5 a 30 milhões de espécies na Amazônia, estando apenas 1,4 milhões dessas catalogadas: 750 mil espécies de insetos, 40 mil de vertebrados, 250 mil espécies diferentes de árvores/hectare, 1400 tipos de peixes, 1300 espécies de pássaros e mais de 300 espécies de mamíferos diferentes. Só no Brasil, há 2,8 mil espécies de madeiras distribuídas em 870 gêneros e 129 diferentes famílias botânicas que representam, aproximadamente, 1/3 das florestas tropicais do mundo, uma reserva estimada em 1,7 trilhões de dólares somente em madeira de lei.
Nos últimos tempos, a floresta tropical tem sido atingida, frontalmente, pela prática dos desmatamentos, pelo tráfico da madeira, de plantas medicinais, da fauna, dos recursos minerais. São milhares de hectares de floresta virgens derrubados todo ano, para atender o tráfico internacional de madeira de lei e expansão da fronteira agrícola. Há que se considerar, ainda, que a Amazônia possui solo pobre [rico em silicato, com forte tendência à aridez] e a remoção de sua cobertura vegetal pode levar grandes extensões do bioma ao processo de desertificação.
Apesar da enorme exuberância da Floresta Tropical Amazônica seu solo é pobre em nutrientes e, até certo ponto, possui grandes quantidades de silicatos, o que lhe dá uma forte tendência à desertificação. A floresta sobrevive da própria matéria orgânica e do húmus produzido por ela própria. A remoção da floresta acarretará a perda total de macro e micronutrientes, além de deixar o solo totalmente exposto aos processos erosivos. Entre os muitos aspectos caóticos, derivados de alguns argumentos dos revisores do Código, destaca-se a frase que diz que se deve proteger a vegetação até sete metros e meio do rio. Uma redução de um fato que por si já estava muito errado, porém agora esta reduzida genericamente a quase nada em relação aos grandes rios do país. Imagine-se que para o rio Amazonas, a exigência protetora fosse apenas sete metros, enquanto para a grande maioria dos ribeirões e córregos também fosse aplicada a mesma exigência.
Segundo o Prof. Aziz Nacib Ab’sáber, nosso saudoso geógrafo que faleceu recentemente;
Em face do gigantismo do território e da situação real em que se encontram os seus macros biomas – Amazônia Brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias, e Pradarias Mistas do Brasil Subtropical – e de seus numerosos mini-biomas, faixas de transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança no “Código Florestal” tem que ser conduzido por pessoas competentes e bioeticamente sensíveis. (AB’ SÁBER, 2011, p.1)
Depois de assistirmos aos debates no CF e vermos a “ignorância” dos parlamentares acerca das particularidades dos biomas brasileiros, vemos que o alerta do Prof. Aziz fazia todo o sentido de ser. O Prof. Ab’Sáber continua sua argumentação acerca da necessidade da seriedade nos debates sobre as mudanças no CF:
O primeiro grande erro dos que no momento lideram a revisão do Código Florestal brasileiro – a favor de classes sociais privilegiadas – diz respeito à chamada estadualização dos fatos ecológicos de seu território especifico. Sem lembrar que as delicadíssimas questões referentes à progressividade do desmatamento exigem ações conjuntas dos órgãos federais específicos, em conjunto com órgãos estaduais similares, uma Polícia Federal rural, e o Exército Brasileiro. Tudo conectado ainda com autoridades municipais, que têm muito a aprender com um Código novo que envolve todos os macro-biomas do país, e os mini-biomas que os pontilham, com especial atenção para as faixas litorâneas, faixas de contato entre as áreas nucleares de cada domínio morfoclimático e fitogeográfico do território. (AB’ SÁBER, 2011, p.1)
Neste sentido, qualquer debate que visasse a modificações no CF, demandaria estudos sérios, meticulosos e detalhados dos aspectos técnicos que envolvem os principais biomas do país. Mas, o que se viu foi exatamente o contrário, ou seja, o que se viu foi a fuga, a recusa de quaisquer estudos sérios acerca das particularidades de nossos ecossistemas, pois tais estudos poderiam inviabilizar, colocar a nu, os interesses escusos de grande parte dos parlamentares do Congresso Nacional, que sempre legislaram em causa própria, muito distantes dos interesses do povo, à revelia dos anseios da maioria da população do país.
Como sempre ocorre com os debates ambientais neste último período, o que está como principal foco das discussões e debates não é a apresentação de propostas eficazes que possam dar conta dos principais problemas socioambientais, que tanto tem preocupado a população, mas as discussões se centram em como burlar a legislação ambiental para proteger os infratores que cometem inúmeros crimes ambientais pelo país afora. Aliás, as ausências de uma política fundiária séria e eficaz, de fiscalização dos crimes ambientais [em especial nas grandes áreas de desmatamento e queimadas], de punição aos principais responsáveis pelos desmandos ambientais, conjugadas com ações efetivas de implantação de nossa legislação ambiental [por sinal, uma das melhores do mundo no papel], tem sido a marca da inoperância de todos os governos [em todas as esferas] nos últimos tempos.
Pelo que acompanhamos por intermédio da mídia, os debates foram centralizados não em combater os desmandos ambientais, mas em como fazer concessões para anistiar os infratores em função de argumentos como o aumento da produção agropecuária brasileira. Esta é a tônica dos principais discursos no Congresso Nacional. Presenciamos um enorme esforço por parte da bancada ruralista [e seus apoiadores] em construir um discurso de defesa dos infratores ambientais, escondido atrás da argumentação de que “esses senhores” [infratores] sempre contribuíram para o fortalecimento da economia e da produção agrícola brasileira. Tentam, com todos os argumentos possíveis [e até impossíveis] transformar infratores em heróis nacionais, aliás, esta estratégia sempre fez parte da história oficial do Brasil.
Ora! Observando a maioria das potências capitalistas atuais verificamos que o aumento da produção agrícola não se mede pelo aumento da quantidade de terras nas mãos dos fazendeiros e grandes grupos e/ou corporações multi/transnacionais. Não se mede a produção agrícola com concentração de terras nas mãos de poucos, pelo tamanho do latifúndio. Ao contrário, na imensa maioria dos países ditos “desenvolvidos” não existem grandes propriedades e estabelecimentos rurais, mas sim pequenas propriedades altamente produtivas. A eficácia da produtividade agrícola se consegue com a utilização de tecnologias apropriadas utilizadas, verticalmente, em pequenas propriedades e não com o aumento exponencial da quantidade de terras, ou seja, com a abertura interminável de novas fronteiras agrícolas, exterminando com os principais recursos naturais dos principais biomas do país, a exemplo de nosso cerrado. Haja vista que estudos apontam que investidores estrangeiros da especulação imobiliária são “donos” de quase 1/5 [um quinto] da nossa Amazônia.
Na verdade, os principais discursos em prol do meio ambiente no Brasil trazem em suas entrelinhas interesses particulares ou de estratégias protecionistas a grupos multi/transnacionais ou de grandes latifundiários que usam a terra apenas com fins especulativos. Não dá para entender um país com tamanha quantidade de terras férteis, de dimensões continentais, com parte significativa de sua população em condições precárias de sobrevivência, abaixo da linha de pobreza e passando fome. Portanto, as discussões em torno das temáticas ambientais deveriam se orientar em torno da aplicação efetiva de nossa legislação ambiental, aliada a uma política fundiária justa e efetiva, embasada em pequenas propriedades rurais e não em políticas protecionistas a latifundiários e especuladores, que são os verdadeiros responsáveis pelos desmandos contra o meio ambiente no país. Aliás, esta discussão que aflorou a partir do novo Código Florestal só serviu para mostrar que o Estado brasileiro e os grandes grupos econômicos não têm quaisquer interesses pelo tal “desenvolvimento sustentável” e que este discurso não passa de uma grande falácia. As grandes temáticas ambientais, no fim das contas, são utilizadas em conformidade com os interesses dos grandes infratores ambientais no Brasil, seja no campo, seja na indústria.
Enquanto se formulam e se aplicam políticas protecionistas aos grandes devastadores do meio ambiente no país, nossos biomas estão sendo devastados, nossa flora e nossa fauna sendo destruídas e contrabandeadas. Enquanto brincam de defensores dos ecossistemas, nosso cerrado agoniza, em estado terminal e, sinceramente, chora ao se deparar com o cenário cruel que se inscreve num horizonte nublado, curtíssimo e de futuro totalmente incerto.


* Escritor. Geógrafo, mestre e doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia. Pesquisador e professor da Universidade de Uberaba. machado04fonseca@gmail.com

terça-feira, 24 de abril de 2012

O “1º de maio” e a reconstrução da consciência da classe trabalhadora!

Foto: Prof. Valter Machado da Fonseca (2012).  Fonte: Arquivo Prof. Valter M. da Fonseca

Valter Machado da Fonseca*
É chegado mais um dia primeiro de maio, data histórica de luta e de luto para o conjunto da classe trabalhadora mundial. A origem das comemorações do “Dia do Trabalho” ou “Dia do Trabalhador”, remonta ao século XVIII, em especial na década de 1880. Esta década ficou marcada pela gigantesca insurgência de amplos movimentos grevistas, em particular nos EUA, nos quais a principal reivindicação foi a redução da jornada de trabalho sem redução dos salários. A jornada de trabalho daquela década era de 12 horas diárias ininterruptas, sem descanso semanal.  Era mais que corriqueiro esta jornada de trabalho se estender por até quinze horas de trabalhos ininterruptos. O movimento legítimo da classe trabalhadora se expandiu por todo o território norte-americano, ganhando mais vitalidade em Detroit, Nova Iorque e Chicago.
No dia 1° de maio de 1886, os principais centros industriais norte-americanos foram paralisados por uma greve geral, que assustou a burguesia local. Naquele dia os grevistas de Chicago se reuniram em uma grande assembleia na Praça Haymarket, reivindicando a redução da jornada de trabalho para oito horas e a melhoria das condições de trabalho. Como resultado da repressão ao movimento operário, seus oito principais líderes, vítimas de uma armadilha política, foram condenados à revelia, ao processo de execução sumária em praça pública. Num julgamento vergonhoso, sete operários, Albert Parsons, August Spies, Samuel Fielden, Michael Schwab, Adolph Fischer, George Engel, Louis Lingg, foram condenados à morte e Oscar Neebe, a quinze anos de prisão. Esta foi a origem do primeiro de maio. Como resposta à carnificina de Chicago, os trabalhadores pararam de trabalhar, todos os anos, no dia 1º de maio. Assim, a burguesia acabou por oficializar a data como “Dia do Trabalho”.
A partir do dia primeiro de maio de 1886, também conhecido como o dia dos mártires de Chicago, o movimento da classe trabalhadora ganhou nova dinâmica e novas formas de organização, na luta contra a superexploração da força de trabalho em todo o mundo. Os sindicatos proliferaram por todos os cantos do planeta. Em todos os países, nos mais diversificados continentes, a classe trabalhadora empreendeu importantes lutas e obteve relevantes conquistas e vitórias.
Hoje, o capital se reconfigura, por intermédio de sua faixada neoliberal, expressa na denominada globalização econômica ou “Globalização como perversidade” como diria o nosso saudoso geógrafo, o Prof. Milton Santos. A estratégia neoliberal do capital tem por uma de suas principais metas, a fragmentação e enfraquecimento da classe trabalhadora e de suas diversas formas de lutas. É a nova ofensiva generalizada do capital sobre o trabalho em diversos cantos do planeta. Como isso, o capital introduziu o sobretrabalho, a precarização e terceirização do trabalho, o processo de privatizações de setores importantes da economia e o achatamento generalizado dos salários.
Os resultados da faixada neoliberal do capital são verificados pelos milhões de trabalhadores em condições de indigência em várias partes do planeta, os milhões de trabalhadores em condições de miséria, de subnutrição, situados muito abaixo da linha de pobreza. Isto fica muito mais evidenciado no continente africano, na Ásia Central e em países das Américas Central e do Sul. Em todo o planeta são milhares de trabalhadores [homens, mulheres e crianças] que morrem na indigência, de subnutrição e/ou de jornadas duplas de trabalho. Tudo isto, sem mencionar as filas quilométricas de desempregados que compõem a reserva de mão de obra descartável a serviço do capital volátil e especulativo. São os sintomas claros da barbárie generalizada que já se fazem mais do que perceptíveis.
No Brasil, tentam maquiar a realidade por intermédio de gráficos estatísticos. Isto para demonstrar que estamos em situação privilegiada em relação aos trabalhadores que enfrentam o desemprego estrutural resultante da crise estrutural da Europa e dos EUA. Mas, o capitalismo é internacional e sua crise também o é. E as consequências dessa crise estrutural também de refletirá em toda a América do Sul, inclusive no Brasil. Cabe a todos comprometidos com as lutas dos trabalhadores levantarem proposições que visem à reunificação da classe trabalhadora em todo mundo.
Por fim, se faz mais do que necessário, realizar a leitura correta dos elementos que determinam a conjuntura mundial, eixados na crise estrutural do capital. Faz-se preponderante dialogar com a classe trabalhadora, único e verdadeiro motor que pode alavancar a verdadeira transformação social em todos os países do mundo. E tudo pode começar pela retomada do caráter da consciência de classe dos trabalhadores. Caso contrário, assistiremos, de perto, ao declínio e fim de mais uma etapa da civilização, via as gritantes monstruosidades de uma barbárie da humanidade, o que nada mais é do que a destruição maciça da espécie humana pelo próprio ser humano.  


* Escritor. Geógrafo, mestre e doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia. Pesquisador e professor da Universidade de Uberaba. machado04fonseca@gmail.com