Figura: Representação de "O sagrado e o profano". Fonte: aureasapiencia.org |
Valter Machado da Fonseca
Caros (as) leitores (as)!
Hoje, resolvi falar da “família” uma das instituições mais antigas da humanidade e, sacralizada através dos tempos por outras tantas que surgiram a partir dela, a ela estão indissoluvelmente associadas e, fundamentalmente, não sobrevivem sem ela, como o Estado, os parlamentos, a propriedade privada, e, essencialmente a secular religião, em todos seus matizes, derivações, variações e vertentes.
É interessante verificar [e isto a história nos revela], que a partir da instituição “família” quase tudo se justifica. Em seu nome, se justificam guerras, assassinatos, desigualdades sociais, cobiças, heranças espúrias, mortes em nome da “dignidade” e da “honra”, preconceitos e discriminações, ódios mortais, luxúrias, desvios de verbas, roubos, corrupção, dentre inúmeras outras aberrações. E, isto porque a “família” é uma instituição “sagrada” e o “sagrado” é perpetuado por intermédio de atos e ações profanas. E as regras que tornam “sagrada” a família, coincidentemente, são as mesmas que também perpetuam a mais valia, a exploração do homem pelo próprio homem, a propriedade privada e o Estado em todas suas ações e intenções. Mas, como é que pode isto? O “sagrado” e o “profano” não são termos contraditórios em sua essência?
Não! Meus caros leitores! Em absoluto! No caso da preservação da “moral” e dos “bons” costumes da família e do Estado burguês, o “sagrado” e o “profano” são termos interligados, interdependentes e complementares. Neste caso, o “sagrado” não existiria e nem se sustentaria sem o “profano” e, o Estado burguês é profano por origem e por natureza. E, ao mesmo tempo, ele necessita dos fundamentos profanos, que ele mesmo edificou, para construir os princípios do “sagrado”. Então, podemos concluir que o Estado burguês é o resultado da profanalização de conceitos, artificialmente sacralizados, para justificar sua existência e sua essência.
Assim, podemos deduzir que no Estado capitalista (burguês), o “sagrado” e o “profano” são termos idênticos, exatamente iguais. E, a “sagrada família” constitui a base de sustentação de todo este arcabouço, de todo o corpo de valores morais [ou imorais] que ampara e que constitui as bases teóricas, jurídicas, filosóficas e sociológicas que mantém e justifica a essência do Estado burguês.
E, é por meio dessas bases que diversas outras instituições necessárias à expansão e perpetuação do capital foram criadas, a exemplo das leis, do parlamento que as redige, da polícia que as fazem cumprir e dos juízes [acima do bem e do mal] que julgam sua aplicação. E, ao lado da “sagrada família”, as leis da religião e da “santa” madre igreja servem como sustentáculos dos conceitos e princípios do “sagrado”, que, por sua vez, é a base central de sustentação do Estado burguês.
Prezados leitores! Vocês já pararam para refletir sobre a instituição “matrimônio”? Já perceberam que é exatamente, por meio desta instituição, ou seja, do matrimônio que a “sagrada família” se instaura e se constitui? Já se perguntaram por que o matrimônio é “indissolúvel” e burocraticamente “eterno”? Já perceberam que o discurso do Estado burguês e das Igrejas [todas elas], coincidentemente, são os mesmos quando se trata da defesa do matrimônio, enquanto instituição indissolúvel? Na verdade, eles se amparam exatamente na característica de sacralidade desta instituição e, sendo sagrado, é ditado por forças superiores e, assim sendo, são inquestionáveis. Assim se constitui o milagre da verdade revelada, absoluta, dogmática irrefutável e definitiva. Eis aí o mistério do sagrado!
Ora, meus caros leitores! A história nos mostra que o matrimônio nada mais é que um negócio, um contrato para preservar o capital, suas formas de perpetuação e, sobretudo, uma forma altamente eficaz de preservação das bases de sustentação do estado burguês e suas leis, em especial a lei da herança. Vocês, por acaso, já se perguntaram por que o matrimônio, sendo uma instituição cuja finalidade é a instauração plena da família [por sinal “sagrada”] e de seu conjunto de valores morais, é formalizada justamente por um indivíduo que por força da lei da Igreja, não pode constituir família, no caso o padre [ou sacerdote]? Já se perguntaram por que a maioria dos sacerdotes é obrigada a se abdicar do direito de constituir família? É justamente por intermédio da Igreja que a família se constitui e consolida suas leis: assim, os sacerdotes não podem constituir família porque a Igreja tem que se preservar da lei da herança [que ela mesma defende] e não pode correr o risco de perder parte de seus bens materiais para os possíveis herdeiros dos sacerdotes se, por um acaso estes viessem a constituir famílias. Estaria construindo, desta forma, uma “fábrica de herdeiros”.
Então, meus caros leitores, a família na concepção do Estado burguês não passa de um negócio com a única finalidade de, por intermédio do “sagrado”, defender os fundamentos profanos do lucro capitalista. Diante de tudo isso, todo o discurso de perpetuação do “amor” e da “felicidade”, no seio da “sagrada família”, perde completamente seu sentido. Então, o verdadeiro amor não necessita de acordos ou de papeis que lhe deem garantias. O verdadeiro amor e a possibilidade de felicidade não necessitam do espaço formal da “sagrada família” para se concretizarem.
Estes preceitos, próprios da condição da subjetividade humana, de fato, se formalizam longe dos preconceitos e falsos valores morais preconizados pelo estado burguês. Enfim, a única possibilidade real de construção de valores autênticos está no âmago dos corações desprovidos de cobiças, de necessidades de autoafirmação, de preconceitos e discriminações. O verdadeiro e autêntico amor não necessita de autoafirmação, ele existe, simplesmente pelo fato de existir. Ele existe simplesmente pelo estado de bem estar da humanidade, fora das diversas formas de alienação do Estado capitalista. E, somente poderá ser percebido por aqueles desprovidos de quaisquer formas de injustiças, preconceitos e discriminações.
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