Fonte: mashable.com |
Por NTV
A ciência brasileira precisa ser mais
corajosa e mais ousada se quiser crescer em relevância no cenário
internacional, segundo a editora-chefe da revista Science, Marcia McNutt. Para
criar essa coragem, diz ela, é preciso aprender a correr riscos, e aceitar a
possibilidade de fracasso como um elemento intrínseco do processo científico.
"Quando as pessoas são
penalizadas pelo fracasso, ou são ensinadas que fracassar não é um resultado
aceitável, elas deixam de arriscar." E quem não arrisca, diz ela, não
produz grandes descobertas - produz apenas ciência incremental, de baixo
impacto, que é o perfil geral da ciência brasileira atualmente. O que ajuda a
explicar porque os pesquisadores brasileiros têm dificuldade ainda para
emplacar trabalhos em revistas de alto impacto, como a Science, apesar do
grande avanço no número de trabalhos científicos publicados pelo País em
revistas indexadas nas últimas décadas.
Marcia conversou com o Estado entre
uma sessão e outra do Fórum Mundial de Ciência, que terminou quarta-feira (dia
27) no Rio de Janeiro, na primeira vez que o evento bianual foi realizado fora
da Hungria, seu país de origem. Geofísica de formação, ela assumiu a editoria
da Science (uma das revistas científicas de maior impacto no mundo) em junho
deste ano. Antes disso, Marcia foi diretora do Serviço Geológico dos Estados
Unidos (cabendo a ela, por exemplo, responder a desastres como o vazamento de
óleo da plataforma Deep Horizon, no Golfo do México, em 2010) e do Instituto de
Pesquisas do Aquário de Monterey Bay, na Califórnia, uma das principais
instituições de pesquisa oceanográfica e exploração de águas profundas no
mundo.
Abaixo, os principais trechos da
entrevista:
O que os cientistas brasileiros
precisam fazer para conseguir publicar mais trabalhos em revistas de grande
impacto, como a Science?
A mesma coisa que todo mundo faz. A
Science só publica uma fração muita pequena, em torno de 5%, dos trabalhos que
são submetidos à revista; então, é um desafio para qualquer cientista. O que eu
costumo dizer aos autores é que nem todo trabalho científico é adequado para
publicação na Science. Antes de qualquer coisa, o trabalho tem de ser original
e revolucionário ("groundbreaking") dentro de sua própria área, mas
também tem de ser interessante para outras áreas do conhecimento, para que se
justifique publicá-lo na Science em vez de uma revista temática especializada.
Tem de haver ramificações para outras áreas do conhecimento.
Uma autocrítica que é feita com
frequência pela comunidade científica brasileira é que a nossa cultura
científica e nosso sistema acadêmico estimulam as pessoas a publicar trabalhos
mais simples e "seguros", no sentido de garantir resultados para uma
publicação ao final de cada projeto ou cada bolsa. Os cientistas têm medo de se
arriscar em projetos mais complexos porque, no final das contas, são julgados
mais pelo número de trabalhos que publicam do que pela qualidade ou relevância
de suas publicações. E é por isso que o Brasil até hoje não ganhou um prêmio
Nobel e tem dificuldade para publicar trabalhos em revistas de alto impacto,
etc ...
Eu diria que esse argumento está
totalmente correto. Esse tipo de estratégia não produz grandes resultados
científicos; é uma estratégia segura, incremental, que vai avançar a ciência do
país pouco a pouco, mas não vai influenciar radicalmente o panorama da ciência
num contexto global, porque é muito conservadora, não é ousada.
É possível ser ousado com pouco
dinheiro?
Não dá para colocar um preço em
ousadia. É mais um estado de espírito, uma forma de questionar, elaborar
perguntas e conduzir seus experimentos. Você pode gastar muito dinheiro num
trabalho puramente incremental, ou pode gastar pouco dinheiro para fazer um
experimento revolucionário. A ousadia pode vir também na maneira como você
trabalha de forma integrada em diferentes áreas. Por exemplo, um aluno de
bioquímica pode escolher fazer alguns cursos em engenharia e física, e graças a
essa proficiência adquirida em diferentes disciplinas ele será capaz de juntar
ideias, enxergar conexões e elaborar perguntas que outros alunos não conseguem
fazer.
Como é que se cultiva essa ousadia?
Ser ousado implica em assumir riscos,
e assumir riscos implica em aceitar a possibilidade de fracasso. Quando as
pessoas são penalizadas pelo fracasso, ou são ensinadas que fracassar não é um
resultado aceitável, elas deixam de arriscar. É importante que a sociedade
reconheça o valor de pessoas que falharam uma vez, falharam de novo, e talvez
de novo, até chegarem ao sucesso. Porque há milhões de maneiras de se
fracassar; sempre vai haver um meio de a tecnologia falhar ou de o ser humano
falhar.
Então as instituições e as agências
de fomento têm de aceitar o fracasso como um componente intrínseco do processo
de pesquisa?
É assim que a ciência avança! Você
apresenta suas ideias e os outros tentam derrubá-las. É só porque somos capazes
de descartar hipóteses que sabemos que algo está errado e que outra coisa deve
estar certa. É muito fácil provar que uma hipótese científica está errada, mas
é muito difícil - quase impossível - provar que uma hipótese está correta. Tudo
que podemos fazer é dizer que uma hipótese está em concordância com os dados
disponíveis - as que não estiverem, a gente joga fora, e vamos procurar alguma
outra que esteja. Dizer que algo foi efetivamente "provado correto" é
muito, muito difícil. O fracasso, portanto, é um componente importante do
avanço da ciência, porque mostrar que algo está errado faz parte do processo
científico de determinar o que está certo.
E como trabalhar isso dentro da
academia? Um dos problemas aqui é que os jovens pesquisadores, alunos de
pós-graduação, têm obrigação de publicar alguma coisa ao final de seu mestrado
ou doutorado ... pode não ser um resultado muito relevante, mas tem de ser um
resultado publicável; qualquer coisa. Caso contrário, fim de carreira. Por isso
ninguém se arrisca a fazer projetos mais ambiciosos, em que não há certeza de
um resultado positivo.
É importante que os mentores
(orientadores) ajudem os jovens pesquisadores a avaliar quando vale a pena
arriscar, e que tipo de risco vale a pena correr. Você não quer que alguém
invista cinco anos numa pesquisa de doutorado e não tenha uma publicação no
final para defender sua tese. Isso não é bom. O que você quer é que eles
comecem a assumir pequenos riscos ao longo da pós-graduação, de modo que eles
aprendam com essa experiência e se sintam confiantes para assumir riscos
maiores no futuro - sabendo que um experimento pode não dar certo no final, e
que isso faz parte da ciência.
Disponível em: http://estadao.br.msn.com/ciencia/ci%C3%AAncia-brasileira-precisa-ser-mais-ousada-diz-editora-chefe-da-science
Acesso em: 24 de dezembro de 2013.
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