Prof. Dr. Valter Machado da Fonseca (2015) |
Prof. Dr.
Valter Machado da Fonseca *
É notório e cientificamente
comprovado que a quantidade de água existente no planeta não diminui, pois, ela
é regida pelo “Ciclo da Água”, ou seja, a água que evapora em determinada
localidade e/ou região vai precipitar em outra, aí poderá se infiltrar no solo
abastecendo os lençóis, outra parcela poderá escoar superficialmente indo
desaguar nos corpos d’água de superfície, os quais irão desaguar no oceano.
Outra parte é absorvida pela vegetação e liberada pela evapotranspiração. Na
verdade, o “Ciclo da Água” regula e controla a quantidade de água no planeta.
Porém, fatores externos podem
fazer com que a água presente em determinada região possa migrar para outras
áreas distantes, deixando regiões inteiras com grande déficits hídricos, é o
que chamamos de migração hídrica. Existe a migração hídrica decorrente de
fatores naturais, relacionados à dinâmica natural da Terra e há as migrações
hídricas provocadas por fortes desequilíbrios ambientais, principalmente em
função de ações antropogênicas (humanas) descompensatórias sobre os recursos da
natureza. Vamos nos deter neste último caso em particular.
O que ocorre na Região Sudeste do
nosso país é um exemplo clássico de escassez hídrica provocada por forças
antrópicas (provocadas pelo homem) sobre o ambiente. A importante estiagem que
marca o período atual só serve para mostrar e evidenciar a migração hídrica que
já vem ocorrendo há dezenas de anos. Mas, por que ocorre a migração hídrica na
Região Sudeste do Brasil?
Se olharmos o mapa das vegetações
do Brasil podemos observar que a Região Sudeste se localiza bem no centro da área
nuclear do cerrado brasileiro. É importante salientar que o cerrado brasileiro
se configura na grande caixa d’água que abastece as principais bacias
hidrográficas do continente sul americano.
Agora, se atentarmos para a
história recente do nosso cerrado poderemos verificar que o bioma cerrado se
transformou no principal alvo de expansão da fronteira agrícola brasileira.
Seus solos foram submetidos a inúmeras experiências da grande indústria de
agroquímicos, passando a servir como cobaia para experimentos de novos insumos,
agrotóxicos, herbicidas e pesticidas.
Para a implantação e execução
desta política de ocupação agrícola, milhares e milhares de hectares de sua
vegetação original foram removidas, corpos d’água de superfície foram extintos,
nascentes foram totalmente destruídas, veredas foram dizimadas, matas ciliares
foram removidas, assoreamentos foram catalisados em função da retirada das
vegetações ripárias, dentre inúmeros outros fatores antropogênicos que incidem
sobre o agonizante cerrado. Assim, podemos afirmar que o nosso cerrado já não
existe mais. O que existem são nesgas, pequenos retalhos de vegetação original,
os quais já não possuem quaisquer condições de regeneração natural e mesmo
artificial. Tudo isto sem dizer das centenas de espécies exóticas que foram
introduzidas no bioma.
Ora, se o bioma cerrado é a
grande caixa d’água da América do Sul, se nele nascem os principais rios e se
formam importantes bacias hidrográficas, como é que esta valiosa riqueza de
recursos hídricos pode sobreviver? Como as águas subterrâneas podem alimentar
as bacias, se os reservatórios subterrâneos (lençóis e aquíferos) declinam seu
nível, impossibilitando-os de alimentar as águas de superfície, pois são
submetidos a altíssimos índices de impactos socioambientais em função de uma
política expansionista que se preocupa apenas com os lucros facilitados e
exorbitantes? Fato é que as águas subterrâneas que alimentam nossos rios e suas
bacias estão baixando drasticamente de níveis. Fato é que a grande caixa d’água
do continente sul americano está secando, suas águas estão literalmente
migrando para outras paragens.
*
Escritor. Geógrafo, mestre
e doutor pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professor e pesquisador
da Universidade de Uberaba (UNIUBE). Membro e líder do grupo de pesquisas
“Energia e Interações Complexas nos Ecossistemas Terrestres (GEICET) – UNIUBE/CNPq.
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