Fonte: www.luso-poemas.net |
Prof. Dr. Valter Machado
da Fonseca*
A
história da arte serve muito bem para mostrar os diversos estágios do criador
com sua criatura. Todo criador sempre tem em mente a criação de algo que seja
perfeito, que reflita sua incompletude humana, ou ainda, que venha ser, para
ele, o modelo definitivo entre a essência em toda sua beleza e o conteúdo em
toda sua riqueza, em toda sua densidade harmônica de todos os valores
significativos do mundo enquanto reflexo do completo estágio criativo da
liberdade humana, no mais íntegro sentido da palavra.
Em
verdade, todo criador procura pela construção de uma criatura que seja, em
última instância, o reflexo de um mundo imaginado e criado por ele, que seja
capaz de refletir todos os dons mais sublimes da criação da mente humana.
Assim, na maioria das vezes, ele passa toda sua existência em busca da criatura
perfeita, plena, completa, que por vezes, seja capaz de superar o próprio
criador. Mas, também na maior parte das
vezes, a criatura decepciona o próprio criador.
Do
encanto ao desencanto!
Porém,
muitas vezes a criatura é capaz de dissimular e maquiar os valores a ela
conferidos pelo criador. À primeira vista, parece mesmo corresponder à
perfeição do modelo pleno, imaginário, essência maior do cérebro do artista, do
criador. Mas, às vezes a própria criatura se deixa contaminar pelas
imperfeições do mundo, do submundo, e até mesmo de mundos ilusórios, irreais,
banais e artificiais, configurados pelas imperfeições e dissimulações daqueles
que borram e rabiscam a arte. Para esses, a arte é uma afronta à moral imoral
dos valores ilusórios e fictícios. Esses têm medo do belo, de um modelo que
pode combater a ausência de essência: preferem a forma ao conteúdo, valorizam a
pseudo-estética e ignoram a verdadeira ética. São esses que criam a aberração,
constroem monstros e corroem e assassinam a beleza da arte. Quando a criatura
incorpora estes valores, todo o esforço e todo o trabalho do criador se anulam,
são violados e sacrificados em favor da antiestética, da essência oca, opaca e
fictícia.
Aí,
neste momento o criador se definha, perde o poder da criação. Já não pode
recomeçar uma nova empreitada em busca de outra criatura. O criador foi
corroído por sua própria criação. Então, neste estágio, o que fazer? Nestas
condições já não se pode fazer mais nada; o encanto se transforma em
desencanto, a mentira superou a verdade e a dissimulação venceu a pureza da
essência da arte. Ai, neste instante já não se pode mais fazer nada, pois,
neste exato instante se consolida a morte do criador. A criatura destruiu o
criador.
Assim,
toda criação carrega consigo uma alta dosagem de destruição, a ética traz em
seu bojo a antiética, a estética traz a antiestética, a essência pode também
estar vazia de conteúdo. Assim, a nobre arte da criação pode trazer em suas
entranhas, o disforme monstro que pode, enfim, transformar o encanto em
desencanto e a criatura poderá ser capaz de destruir, totalmente, seu criador. Aí sim! Será o findar do estado da arte do
criador diante do desencanto de sua própria criação.
* Escritor. Geógrafo, Mestre e Doutor pela
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Docente e pesquisador da Universidade
de Uberaba. pesquisa.fonseca@gmail.com
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