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sexta-feira, 17 de maio de 2013

DESENCANTO DO CRIADOR COM A CRIATURA

Fonte: www.luso-poemas.net


Prof. Dr. Valter Machado da Fonseca*
A história da arte serve muito bem para mostrar os diversos estágios do criador com sua criatura. Todo criador sempre tem em mente a criação de algo que seja perfeito, que reflita sua incompletude humana, ou ainda, que venha ser, para ele, o modelo definitivo entre a essência em toda sua beleza e o conteúdo em toda sua riqueza, em toda sua densidade harmônica de todos os valores significativos do mundo enquanto reflexo do completo estágio criativo da liberdade humana, no mais íntegro sentido da palavra.

Em verdade, todo criador procura pela construção de uma criatura que seja, em última instância, o reflexo de um mundo imaginado e criado por ele, que seja capaz de refletir todos os dons mais sublimes da criação da mente humana. Assim, na maioria das vezes, ele passa toda sua existência em busca da criatura perfeita, plena, completa, que por vezes, seja capaz de superar o próprio criador.  Mas, também na maior parte das vezes, a criatura decepciona o próprio criador.

Do encanto ao desencanto!

Porém, muitas vezes a criatura é capaz de dissimular e maquiar os valores a ela conferidos pelo criador. À primeira vista, parece mesmo corresponder à perfeição do modelo pleno, imaginário, essência maior do cérebro do artista, do criador. Mas, às vezes a própria criatura se deixa contaminar pelas imperfeições do mundo, do submundo, e até mesmo de mundos ilusórios, irreais, banais e artificiais, configurados pelas imperfeições e dissimulações daqueles que borram e rabiscam a arte. Para esses, a arte é uma afronta à moral imoral dos valores ilusórios e fictícios. Esses têm medo do belo, de um modelo que pode combater a ausência de essência: preferem a forma ao conteúdo, valorizam a pseudo-estética e ignoram a verdadeira ética. São esses que criam a aberração, constroem monstros e corroem e assassinam a beleza da arte. Quando a criatura incorpora estes valores, todo o esforço e todo o trabalho do criador se anulam, são violados e sacrificados em favor da antiestética, da essência oca, opaca e fictícia.

Aí, neste momento o criador se definha, perde o poder da criação. Já não pode recomeçar uma nova empreitada em busca de outra criatura. O criador foi corroído por sua própria criação. Então, neste estágio, o que fazer? Nestas condições já não se pode fazer mais nada; o encanto se transforma em desencanto, a mentira superou a verdade e a dissimulação venceu a pureza da essência da arte. Ai, neste instante já não se pode mais fazer nada, pois, neste exato instante se consolida a morte do criador. A criatura destruiu o criador.

Assim, toda criação carrega consigo uma alta dosagem de destruição, a ética traz em seu bojo a antiética, a estética traz a antiestética, a essência pode também estar vazia de conteúdo. Assim, a nobre arte da criação pode trazer em suas entranhas, o disforme monstro que pode, enfim, transformar o encanto em desencanto e a criatura poderá ser capaz de destruir, totalmente, seu criador.  Aí sim! Será o findar do estado da arte do criador diante do desencanto de sua própria criação.        


* Escritor. Geógrafo, Mestre e Doutor pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Docente e pesquisador da Universidade de Uberaba. pesquisa.fonseca@gmail.com

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