Foto: Cerrado/Peirópolis Fonte: Arquivo V. M. da Fonseca (2012) |
Prof.
Dr. Valter Machado da Fonseca*
Para
se entender a “escassez” ou migração hídrica da região Sudeste é necessário que
compreendamos o que é o bioma cerrado e como está se concretizando o seu processo
de extinção enquanto ecossistema natural, uma vez que nos localizamos no centro
do bioma.
Pois
bem! O cerrado, ou seja, suas principais fitofisionomias começaram a se
encaixar enquanto vegetações que se constituem como características essenciais
do bioma há cerca de 65 milhões de anos e vieram a se firmar como vegetações
permanentes do bioma há aproximadamente 45 milhões de anos. Na verdade, o
cerrado começou a se constituir enquanto bioma com propriedades e
características particulares, logo após o Cretáceo Superior, ou seja logo após
a extinção das espécies vegetais que marcaram a vida dos gigantescos répteis
(dinossauros) que habitaram o planeta neste importante período geológico.
Devido
a estas particularidades e características essenciais, as fitofisionomias que
compõem o bioma cerrado estão entre as espécies florísticas mais antigas do
mundo e que determinam a história recente do planeta Terra. Não são somente os
aspectos fitofisionômicos que constituem as particularidades do bioma, a eles
se somam os solos ácidos (ricos em alumínio), profundos, plainos e de boa
drenagem. A isto também se somam duas estações climáticas bem distribuídas
(pelo menos até há pouco tempo), uma seca e outra chuvosa.
Aliás,
o clima foi um aspecto preponderante para o processo de adaptação do bioma
cerrado ao longo do tempo geológico. O processo de perfeita adaptação do
mosaico de espécies vegetais que compõem o cerrado se deu por intermédio da
longa convivência com extremos climáticos, isto é, períodos extremamente secos e
áridos alternando com fases de intensos índices de precipitações pluviométricas
caracterizando intervalos geológicos extremamente chuvosos. O enfretamento e a
convivência com extremos climáticos levaram as espécies vegetais do cerrado a
uma alta especialização, o que permitiu o desenvolvimento de plantas preparadas
para o convívio com clima seco alternado com estações chuvosas.
As
folhas ásperas das plantas do cerrado garante às espécies vegetais a capacidade
de retenção de água o que as nutrirão em épocas de períodos de chuvas escassas.
No mesmo sentido, as raízes profundas de suas espécies vegetais lhe conferem a
propriedade de extração de água diretamente dos lençóis e reservatórios
subterrâneos possibilitando sua convivência com a estação seca. Do mesmo modo
que esta água é extraída dos reservatórios subterrâneos ela é lançada na
atmosfera por meio da evapotranspiração, garantindo a circulação de água que,
ao mesmo tempo em que mantém vivas as vegetações cerradeiras, também mantém
equilibrados os níveis dos aquíferos e lençóis subterrâneos.
Os
pacotes tecnológicos justificados pela “Revolução Verde” nos anos 1960 e que
perduram até os dias atuais, inverteram toda a lógica do processo de
funcionamento natural do cerrado, afetando o regime de chuvas, o ciclo
biogeoquímico e, consequentemente, dando um golpe fatal nos principais
reservatórios de água, os quais deram ao bioma o status de grande caixa d’água
da América do Sul. A quebra do equilíbrio natural do bioma cerrado veio na
forma de alterações definitivas nas propriedades dos solos, do relevo, e da
vegetação do ecossistema. Neste sentido, o cerrado entrou em sua fase
derradeira de extinção definitiva (em estágio de não retorno), o que
consequentemente também coloca em extinção os reservatórios superficiais e
subterrâneos de água existentes no bioma.
*
Escritor. Geógrafo, mestre
e doutor pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professor e pesquisador
da Universidade de Uberaba (UNIUBE). Membro e líder do grupo de pesquisas
“Energia e Interações Complexas nos Ecossistemas Terrestres (GEICET) –
UNIUBE/CNPq.
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