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quinta-feira, 29 de março de 2012

REPENSANDO O PENSAMENTO!

Fonte: memoriasdaliravelha.blogspot.com

Valter Machado da Fonseca*
O que é o ato de pensar? O que é o ato de pensar senão a prática de dialogar conosco mesmos? Pensar significa realizar uma introspecção dentro de nossos próprios devaneios, em nossa própria angústia. Pensar talvez seja remexer em nossos sentimentos, em nossas emoções mais íntimas, mais profundas. Pensar talvez seja a recusa, insistente, persistente de aceitar as incongruências, o óbvio, a verdade mentirosa da realidade profana do cotidiano. Pensar talvez seja a ousadia de dizer um retumbante, um sonoro “não” para nossas próprias verdades consagradas universalmente ao longo da história humana em sua efêmera existência.
Pois bem! Meus (minhas) caros (as) leitores (as)! Definir o ato de pensar talvez seja uma tarefa das mais penosas. Talvez, ao tentar defini-lo estejamos de fato desconstruindo o próprio pensamento. Certa vez, um amigo me disse que o ato de pensar talvez seja uma maneira suave e dissimulada, até mesmo covarde de negar nossa própria essência enquanto seres humanos inacabados, imperfeitos. Que talvez este ato seja uma maneira discreta de desconstruir a nós mesmos. Talvez seja uma forma, uma expressão consciente de um processo inconsciente. Um processo interno de tentar falar de nosso estágio de incompletude humana, sem que seja preciso dizer as palavras, sem que seja preciso se submeter ao olhar e ao julgamento alheio.
Pensar, meus camaradas! Talvez seja tirar um “sarro” silencioso, escondido, de nossa própria imperfeição. Imperfeição que a prepotência humana acredita ser alguma forma de supremacia de nossa espécie sobre os demais seres vivos, tanto da Terra como de outros planetas e outras galáxias. Aliás, o ser humano tem a hipocrisia, a prepotência “suprema” de se achar superior à sua própria espécie. Ele tem a ousadia de, em seu completo estado de inacabamento, se achar um individuo pronto, acabado, irrefutável, definitivo.
Quando repensamos o nosso “pensar”, chegamos à dolorosa conclusão de nossa condição de incompletude. Principalmente ao constatar que atacamos nossa própria espécie, matamos outros indivíduos, ceifando-lhes impiedosamente a vida. E fazemos isso, covardemente, em troca de que? De nada, absolutamente nada! Muitas das vezes [para não dizer a maioria delas] em troca de um pedaço medíocre de papel que chamamos de dinheiro. Será que esta é uma atitude de quem realmente pensa? Se isto é fruto do pensamento, talvez seja prudente que abominemos o próprio pensamento.
Quando levantamos, pela manhã, pensamos o que faremos naquele dia. Pensamos no trabalho, cuja finalidade máxima é ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro para que? Para comprarmos coisas, a maioria delas inúteis. Mas, o nosso pensamento ordena que compremos. É preciso comprar para fazer o dinheiro [papel, virtual ou não] circular e gerar mais dinheiro. E, para que gerar mais dinheiro? É preciso gerar mais dinheiro para enriquecer alguém, que em 99,9 % das vezes não somos nós. Mas, o nosso pensamento insiste que compremos. Meu deus! Nosso pensamento nos ordena que consumamos produtos, em sua maioria inúteis, descartáveis. Mas a ordem é comprar para enriquecer alguém e, esse alguém não somos nós. Afinal, quem manda em nós?
Assim, meus caros amigos, é preciso tomar cuidado com nossos pensamentos! É necessário que saiamos da mediocridade de nos escondermos dentro de nós mesmos. É urgente que abandonemos a comodidade de nossa intimidade, em detrimento de interpretarmos a realidade concreta do mundo, das coisas do mundo. Como disse o “velho” Marx para os filósofos alemães: vocês pensaram o mundo, agora cabe a nós transformá-lo. É preciso que abandonemos o campo das ideias e do pensamento para intervir em nossa própria realidade, caso contrário, correremos o sério risco de atingirmos o estágio de pensar que realmente somos algo que jamais chegaremos a ser! 


* Escritor. Geógrafo, mestre e doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisador e professor da Universidade de Uberaba (Uniube). machado04fonseca@gmail.com

quarta-feira, 28 de março de 2012

Grupo permanente de pesquisas será implantado em Peirópolis/MG

Foto: Paisagem natural de Peirópolis/MG   Fonte: Arquivo Valter M. da Fonseca (2012)

Por NTV
Por intermédio de minicurso realizado no semestre passado, o Prof. Valter Machado da Fonseca, mestre e doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e docente da Universidade de Uberaba, inicia projeto de pesquisas e estudos permanentes no "Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price", localizado no bairro rural de Peirópolis, município de Uberaba (MG).
Para o professor Valter, a estruturação de um grupo de pesquisas permanentes na comunidade rural de Peirópolis é de extrema importância dada à magnífica relevância do acervo fossilífero de Peirópolis. O sítio paleontológico de Peirópolis atingiu o justo estágio de reconhecimento que já ultrapassou o âmbito nacional para atingir o status de merecido reconhecimento internacional. Dele já surgiram inúmeras e relevantes dissertações de mestrado e teses de doutoramento. É considerado como a mais relevante bacia fossilífera do mundo em pesquisa e trabalho em tempo contínuo. Os magníficos achados nas escavações desta bacia fossilífera tem dado uma significativa contribuição às pesquisas e trabalhos desenvolvidos nesta área. Muitos desses trabalhos estão publicados nas mais renomadas revistas científicas da área em níveis nacional e internacional.
Para Fonseca, este projeto é fruto de um antigo desejo, o qual vem de muito tempo atrás. Esta proposta nasce da necessidade de discutir e aproveitar a grande gama de indícios e informações científicas que o sítio paleontológico de Peirópolis tem a oferecer a estudantes, pesquisadores, professores, bem como a todos os demais interessados na Geologia, Paleontologia, Paleoclimatologia e Paleogeografia e por esta relevante temática proposta para estudo. Ele afirma ainda que, todo esse trabalho não existiria sem o esforço de algumas pessoas que merecem destaque e todo o reconhecimento da comunidade uberabense. Ele credita todo esse esforço ao eminente paleontólogo pesquisador, Dr. Llewellyn Ivor Price e ao Geólogo e professor Luís Carlos Borges Ribeiro e sua equipe, que assumiram para si a nobre tarefa de dar continuidade ao árduo e importante trabalho do Dr. Price. É por tudo isso que o "Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price" nunca parou suas pesquisas e hoje assume o justo status de mais significativo centro de pesquisas em tempo contínuo do mundo.
O professor Valter Fonseca informa ainda que o minicurso, o qual teve sua primeira experiência no semestre passado, será repetido neste semestre, agora em parceria com a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), no formato de curso de extensão, no próximo mês de junho. Além do minicurso, serão implementados grupos de iniciação científica no local, envolvendo alunos do curso de Engenharia Ambiental da Uniube.
O Professor declara que a próxima etapa do projeto é criar uma equipe que seja capaz de sintetizar toda a gama de trabalhos científicos produzidos a partir do Sítio Paleontológico de Peirópolis. Isto se deve ao fato de que no contexto da evolução do “Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewellyn Ivor Price”, podemos verificar o trabalho intenso de diversas e renomadas universidades junto ao centro de estudos. Assim, podemos citar a universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e, finalmente a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) que hoje assume a função de gestora deste importante centro de pesquisas.  
Por fim, o Prof. Valter Machado agradece à Universidade de Uberaba pelo amplo e irrestrito apoio dado ao projeto, por intermédio do curso de Engenharia Ambiental, na pessoa do seu diretor Prof. Dr. André Fernandes Teixeira, que não mede esforços no intuito da viabilização prática e plena de implantação do grupo de pesquisas permanentes em Peirópolis. O Prof. Valter acredita que a efetivação deste projeto, significará, sem dúvida alguma, um importante passo na consolidação da pesquisa científica em Uberaba e na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

terça-feira, 27 de março de 2012

Reflexões sobre a “Questão Judaica”

Livro "Sobre a Questão Judaica" Fonte: livraria-popular.blogspot.com

Valter Machado da Fonseca

Este texto de Marx representa, até certo ponto, o início da construção de um divisor de águas entre o “Idealismo” hegeliano e a construção de uma proposta que visasse dar o norte político para o enfrentamento de uma sociedade gestada ainda no ventre do Feudalismo e que vinha à luz com toda a força: a sociedade capitalista. Neste sentido, Marx se encontrava na encruzilhada para a superação das concepções filosóficas de Hegel, que apontava que tudo se explica no campo das ideias. A partir desta concepção, Hegel acabou por consagrar a universalidade e eternidade do domínio do capital, pois, suas estruturas produtivas e reprodutivas foram construídas por intermédio do racionalismo, que se sustenta, exatamente, nos pilares do idealismo.
Diferentemente de ser considerado um “Deus”, é preciso interpretar a obra marxiana com a alta dose de seriedade que ela merece. A atual crise estrutural do capital que varre a Europa e ataca frontalmente o coração do sistema reprodutivo do capital, os EUA, demonstra que a formulação de Marx conserva toda sua atualidade. É interessante verificar que Marx nunca foi tão lido como nos tempos presentes, em especial na Alemanha. Toco nestas questões, justamente para destacar que diversas correntes, dentre elas o “pós-modernismo” se cala diante da atual crise do sistema produtivo capitalista. Estão estupefatos, não têm o que dizer! Chegaram mesmo à paralisia da vontade!
Retornando à “Questão Judaica”, a década de 1800 significou um marco histórico que precisa ser interpretado com a devida seriedade. De um lado, as concepções de Hegel iriam dar as completas condições para a universalização do capital e, por outro lado, existia a possibilidade de construção de outra via, por intermédio da superação das concepções filosóficas de Hegel. E foi, exatamente, por esta última via que Marx procurou embasar seus fundamentos. Mas, a superação das concepções hegelianas exigia tirar do caminho todos os obstáculos teóricos e práticos que viessem a inviabilizá-la. Isto significa dizer que era necessária também a superação dos princípios criacionistas que se embasavam na “verdade revelada”, traços fortes da “Escolástica”, conservados ao longo dos tempos, e que tomavam o caráter de universalidade e perpetualidade. Em outras palavras, isto significa dizer que era fundamentalmente essencial a superação dos traços marcantes do novo modelo de organização social que estava em gestação, ou seja, fazia-se urgente buscar a superação dos pilares que embasavam a construção do Estado, ou seja, a religião e a propriedade privada. É exatamente por isso que este texto tem sua importância para a compreensão do pensamento e das ideias de Marx. Apesar de não ser um texto fechado, acabado, ele traz reflexões fundamentais no sentido de superação dos princípios liberais que embasam a construção do Estado capitalista.
A formulação do próprio Marx de que “toda nova organização social traz em suas entranhas, elementos das velhas, das que a antecederam” é extremamente relevante para que entendamos “A Questão Judaica”. Aqueles anos [1840 – 1848] marcaram um período histórico de disputas efervescentes de diferentes concepções filosóficas, de projetos de mundo, de homem e de natureza. Mas, para que Marx conseguisse seu intento, a superação das concepções hegelianas, muitas vezes ele necessitava apoiar-se, contraditoriamente, em elementos e aspectos contidos na própria filosofia de Hegel. Diante disso, os diálogos com Bruno Bauer e, posteriormente com Feurbach, foram fundamentais para que Marx edificasse seu sistema de ideias e princípios, os quais iriam ficar mais evidentes no “Manifesto do Partido Comunista” escrito a quatro mãos com Engels em 1848.
As bases filosóficas contidas na “Questão Judaica”
O diálogo com Bruno Bauer, base principal desse texto, coloca para Marx o problema central de seu estudo rumo à superação do “Idealismo” de Hegel. Este problema é colocado de forma evidente e clara, já no início do texto: o problema da emancipação humana. Esta questão central é colocada desta forma no início da obra: “Os judeus alemães almejam a emancipação. Que emancipação almejam? A emancipação cidadã, a emancipação política.” (MARX, 2010, p.33). Aí está colocado o problema central: a necessidade de elucidar e problematizar os termos “emancipação”, o conceito de “cidadania” e as bases “políticas” para esta emancipação.
Mas, como discutir estas concepções sem analisar os princípios que regem a política? Como discutir estas concepções sem estudar os fundamentos sob os quais se construiu o conceito de cidadania. Por isso, Marx necessitava ainda discutir os pilares que sustentam a religião, o Estado e a propriedade privada. A partir dessa necessidade premente, Marx problematiza, levanta contradições, dualidades a partir da construção das concepções de Bauer acerca do judaísmo, polarizando com o cristianismo, justamente por este já ter assumido seu caráter mais universal e já estar presente nas bases da construção do Estado. Na verdade, o “Idealismo” de Hegel, apesar de se constituir numa importante âncora para a superação dos dogmas da Igreja [vide os princípios do racionalismo], não conseguiu superar o problema da crença individual que tinha seus pilares fincados nas concepções religiosas. Ele acaba justificando esta particularidade do homem enquanto indivíduo pelo seu próprio sistema de que tudo se constrói no campo das ideias.
Observem que Marx não exclui a religião do seu campo de formulação prática. Na verdade, ele trabalha suas concepções dentro de dois campos distintos: o campo da realidade, na qual está presente o estado e sua ideologia e o campo da perspectiva da construção de outro modelo de organização [ou desorganização] social que seria a edificação de um paradigma sem a presença do Estado e suas nuances, perspectiva que iria marcar todos os seus textos subsequentes. Isto fica evidenciado em:
A emancipação política de fato representa um grande progresso; não chega a ser a forma da emancipação humana em geral, mas constitui a forma definitiva da emancipação humana dentro da ordem mundial vigente até aqui. Que fique caro: estamos falando aqui de emancipação real, de emancipação prática. O homem se emancipa politicamente da religião, banindo-a do direito público para o direito privado. Ela não é mais o espírito do Estado, no qual o homem – ainda que de modo limitado, sob formas bem particulares e dentro de uma esfera específica – se comporta como ente genérico em comunidade com outros homens; ela passou da sociedade burguesa, a esfera do egoísmo, do bellum omnium contra omnes [da guerra de todos contra todos]. Ela não é mais a essência da comunidade, mas a essência da diferença. Ela se tornou expressão da separação entre o homem e sua comunidade, entre si mesmo e os demais homens – como era originalmente. Ela já não passa de uma profissão abstrata da perversidade particular, do capricho privado, da arbitrariedade. A interminável fragmentação da religião, p. ex., na América do Norte, confere-lhe já exteriormente a forma de uma questão puramente individual. Ela foi desbancada por meio dos interesses privados e degredada da comunidade como comunidade. Todavia, não tenhamos ilusões quanto ao limite da emancipação política. A cisão do homem em público e privado, o deslocamento da religião do Estado para a sociedade burguesa, não constitui um estágio, e sim a realização plena da emancipação política, a qual, portanto, não anula a religiosidade real do homem. [MARX, 2010, p.41-42, passim] [Grifos do original].

No fragmento textual de Marx [2010] podemos verificar que ele estabelece os limites do Estado, enquanto estrutura social isenta da religião, ele evidencia a transferência da religião do Estado para toda a sociedade burguesa. Isto significa dizer que, mesmo o Estado se proclamando laico, ele se conserva enquanto precursor de tais prerrogativas, pois, o homem enquanto indivíduo, ainda conserva a essência da crença religiosa. Na verdade, neste fragmento textual, Marx estabelece os limites da emancipação política demonstrando, concomitantemente a complexidade para a superação dos entraves oriundos das concepções religiosas para a efetivação plena da emancipação política do homem, o que não pode se dar na presença do Estado e nem da sociedade burguesa, fundada sob os princípios liberais.
Na verdade, durante todo o transcorrer do texto, as formulações de Bauer são de uma profunda riqueza para que Marx vá ao sentido de construir as bases teórico/práticas para a superação das concepções idealistas de Hegel. Estabelecendo e realçando as contradições oriundas das formulações de Bauer, ele consegue fazer a ponte necessária para construir sua crítica ao Estado burguês enquanto instrumento de dominação ideológica, a serviço dos princípios liberais e, ao mesmo tempo, aponta para a necessidade vital de superação do Estado enquanto instrumento de dominação burguesa, das concepções de cidadania derivadas deste Estado e, finalmente, ele avança apontando para a necessidade de superação dos princípios sob os quais se edifica a propriedade privada, base material e ideológica imprescindível para a edificação e manutenção da sociedade capitalista. É lógico que este texto aponta para a necessidade de discussão de outros elementos como, por exemplo, “estranhamento” e “alienação”. Porém convém deixar estas discussões para os textos onde estas abordagens possuam maior fluidez.
Compreender Marx por Marx  
A leitura da “Questão Judaica” traz diferentes abordagens e reflexões. Cada texto, cada produção literária é fruto de seu tempo, é fruto de um contexto histórico, político, econômico e social. Assim, a leitura das obras marxianas demanda a compreensão do materialismo dialético.  Isto significa dizer que ninguém é melhor para explicar Marx que o próprio Marx. É lógico que toda obra possui sua incompletude espaço-temporal, o que vai demandar novas leituras e novas interpretações. Interpretar Marx sob a luz do materialismo histórico-dialético demanda, sobretudo, reconstruir a visão de totalidade, de reconstituição dos diversos contextos históricos. Fugir disso, procurar as linhas de menor resistência, “não chamar as coisas pelo seu nome” é, no mínimo escamotear as discussões e os debates, é distorcer perversamente a obra. Portanto, longe de ser um “Deus”, Marx deve ser estudado, analisado, e discutido dentro da visão de totalidade histórica e de totalidade da obra, sob pena de se cometer uma falsificação banal e distorcer os fatos históricos. Vou parando por aqui! Espero que estas contribuições venham contribuir, de fato, para o enriquecimento de nosso debate e nosso crescimento coletivo e individual.
Até o próximo texto!
Valter. [Uberaba, 27 de março de 2012].

sexta-feira, 23 de março de 2012

Morre o Prof. Aziz Ab’Sáber, um dos maiores Geógrafos de todos os tempos!

Foto: Prof. Aziz Nacib Ab'Sáber.                    Fonte: www1.folha.uol.com.br

Valter Machado da Fonseca*
Faleceu na sexta feira (16/03/2012), aos 87 anos, na cidade de São Paulo, o professor Aziz Nacib Ab’Sáber, um dos maiores cientistas dos últimos tempos, em todo o mundo. Ele era professor emérito e livre docente da Universidade de São Paulo (USP) e Professor Honoris Causa pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Ganhador de inúmeros prêmios nacionais e internacionais, dentre eles um prêmio da UNESCO, o Prof. Aziz, se destacou, sobretudo, pelo riquíssimo legado científico que deixou para o conjunto da humanidade. Geógrafo de formação, Ab’Sáber não se destacou apenas pelos seus significativos e relevantes trabalhos no campo da ciência geográfica, mas, em diversos campos do conhecimento científico como Geomorfologia, Geologia e Fitogeografia.
Numa carreira de mais de 50 anos de pesquisas ininterruptas, ele percorreu o país em infindáveis trabalhos de campo, analisando aspectos da vegetação, relevo, biológicos, geomorfológicos, geográficos e hidrográficos. O Prof. Aziz era um exímio conhecedor das particularidades de todos os biomas brasileiros como o cerrado, o pantanal, a caatinga, a Floresta Amazônica, as matas de araucárias, os manguezais, os pampas e as pradarias. Conhecia, como pouquíssimos estudiosos, todos os detalhes e particularidades dos grandes domínios paisagísticos e morfoclimáticos e fitogeográficos brasileiros. Acompanhou de perto todos os principais debates em torno dos grandes problemas ambientais no Brasil e no exterior. Foi o grande arquiteto das principais cartas geográficas que determinam os limites e fronteiras dos principais biomas e ecossistemas de nosso país.
Dono de reconhecimento internacional, Aziz Ab’Sáber era defensor do princípio de que o conhecimento produzido pela ciência jamais deve ficar estancado ou estagnado nas prateleiras das bibliotecas das universidades ou nos bancos de dados dos centros de pesquisa. Ao contrário, ele defendia que o conhecimento científico deve ganhar as ruas, o domínio público, em síntese, deve ser colocado em benefício do conjunto da humanidade. Era um homem que colocava o seu conhecimento enquanto ferramenta a serviço da defesa da preservação dos recursos da natureza.
Aziz foi um dos fundadores da Associação Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) entidade vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e da qual foi presidente por várias gestões. Atualmente era o presidente de honra da entidade. Poucos dias antes de seu falecimento, foi à sede da SBPC e entregou à entidade um CD contendo os dados de todas as suas pesquisas do período de 1946 até 2010. Fez um pedido especial à entidade, solicitando a divulgação e aplicação das pesquisas para o benefício comum da humanidade.
Mas não foi somente no terreno da ciência que o Prof. Aziz se destacou. Ele se destacou também no debate das grandes questões políticas e ambientais da sociedade brasileira. Ele não era apenas um cientista brasileiro, era, acima de tudo, um cidadão do mundo, um lutador em defesa de todas as questões políticas que envolviam justiça social, direitos dos trabalhadores e defesa da preservação dos recursos naturais. O Prof. Aziz se destacou, durante o último período de sua vida, como um lutador e ativista contra as injustiças embutidas na criação do Novo Código Florestal. Isto se pode verificar em um fragmento da carta que ele escreveu à imprensa quando da 1ª votação do referido código: “Pressionar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento significa desconhecer a progressividade de cenários bióticos, a diferentes espaços de tempo futuro, favorecendo de modo simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam em seus interesses pessoais, no contexto de um país dotado de grandes desigualdades sociais” (AB’SÁBER, 2010, p.1).
Então, o Prof. Aziz Nacib Ab’Sáber, muito além de um brilhantíssimo cientista foi um grande lutador em prol de uma sociedade mais fraterna, mais justa, mais solidária e menos desigual. Por tudo isso, dizemos: Em nome da humanidade, obrigado Prof. Aziz! Em nome da ciência, obrigado Prof. Ab’Sáber! Com certeza haveremos de ver um dia, germinar a semente que semeou durante toda sua vida! Haveremos de saborear um dia os saborosos frutos derivados desta mesma semente que, arduamente, você plantou durante toda sua magnífica e brilhante existência!


* Escritor. Geógrafo, mestre e doutorando em meio ambiente pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pesquisador e professor da Universidade de Uberaba (Uniube). machado04fonseca@gmail.com

quinta-feira, 22 de março de 2012

Do Código Florestal para o Código da Biodiversidade

Foto: Prof. Aziz Ab' Saber.                                              Fonte: imagens.usp.br

Por Aziz Nacib Ab Sáber
São Paulo, 21 de julho de 2010
Em face do gigantismo do território e da situação real em que se encontram os seus macros biomas – Amazônia Brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias, e Pradarias Mistas do Brasil Subtropical – e de seus numerosos mini-biomas, faixas de transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança no “Código Florestal” tem que ser conduzido por pessoas competentes e bioeticamente sensíveis. Pressionar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento significa desconhecer a progressividade de cenários bióticos, a diferentes espaços de tempo futuro, favorecendo de modo simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam em seus interesses pessoais, no contexto de um país dotado de grandes desigualdades sociais. Cidadãos de classe social privilegiada, que nada entendem de previsão de impactos, não têm qualquer ética com a natureza, nem buscam encontrar modelos tecnico-cientificos adequados para a recuperação de áreas degradadas, seja na Amazônia, seja no Brasil Tropical Atlântico, ou alhures. Pessoas para as quais exigirem a adoção de atividades agrárias “ecologicamente auto-sustentadas” é uma mania de cientistas irrealistas.
Por muitas razões, se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território. Remetemos esta ideia para Brasília, e recebemos em resposta que esta era uma ideia boa, mas complexa e inoportuna (…). Entrementes, agora outras personalidades trabalham por mudanças estapafúrdias e arrasadoras no chamado Código Florestal, razão pela qual ousamos criticar aqueles que insistem em argumentos genéricos e perigosos para o futuro do país, sendo necessário, mais do que nunca, evitar que gente de outras terras, sobretudo de países hegemônicos venha a dizer que fica comprovado que o Brasil não tem competência para dirigir a Amazônia (…). Ou seja, os revisores do atual Código Florestal não teriam competência para dirigir o seu todo territorial do Brasil. Que tristeza, gente minha!
O primeiro grande erro dos que no momento lideram a revisão do Código Florestal brasileiro – a favor de classes sociais privilegiadas – diz respeito à chamada estadualização dos fatos ecológicos de seu território especifico. Sem lembrar que as delicadíssimas questões referentes à progressividade do desmatamento exigem ações conjuntas dos órgãos federais específicos, em conjunto com órgãos estaduais similares, uma Polícia Federal rural, e o Exército Brasileiro. Tudo conectado ainda com autoridades municipais, que têm muito a aprender com um Código novo que envolve todos os macro-biomas do país, e os mini-biomas que os pontilham, com especial atenção para as faixas litorâneas, faixas de contato entre as áreas nucleares de cada domínio morfoclimático e fitogeográfico do território. Para pessoas inteligentes, capazes de prever impactos, a diferentes tempos do futuro, fica claro que ao invés da “estadualização”, é absolutamente necessário focar para o zoneamento físico e ecológico de todos os domínios de natureza do país. A saber, as duas principais faixas de florestas tropicais brasileiras (a zona amazônica e a zona das matas atlânticas), o domínio dos cerrados, cerrados e campestre, a complexa região semiárida dos sertões nordestinos, os planaltos de araucárias e as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, além do nosso litoral e do Pantanal Mato-grossense.
Seria preciso lembrar ao honrado relator Aldo Rabelo – a meu ver bastante neófito em matéria de questões ecológicas, espaciais e em futurologia – que atualmente na Amazônia brasileira predomina um verdadeiro exército paralelo de fazendeiros que em sua área de atuação tem mais força do que governadores e prefeitos. O que se viu em Marabá, com a passagem das tropas de fazendeiros, passando pela Avenida da Transamazônica, deveria ser conhecido pelos congressistas de Brasília, e diferentes membros do executivo. De cada uma das fazendas regionais passava um grupo de cinquenta a sessenta camaradas, tendo a frente em cavalos nobres, o dono da fazenda e sua esposa, e os filhos em cavalos lindos. E os grupos iam passando separados entre si, por alguns minutos. E, alguém a pé, como se fosse um comandante, controlava a passagem da cavalgada dos fazendeiros. Ninguém da boa e importante cidade de Marabá saiu para observar a coluna amedrontadora dos fazendeiros. Somente dois bicicletistas meninos, deixaram as bicicletas na beira da calçada olhando silentes a passagem das tropas. Nenhum jornal do Pará, ou alhures, noticiou a ocorrência amedrontadora. Alguns de nós não pudemos atravessar a ponte para participar de um evento cultural.
Será certamente, apoiados por fatos como esse, que alguns proprietários de terras amazônicas deram sua mensagem, nos termos de que “a propriedade é minha e eu faço com ela o que eu quiser, como quiser e quando quiser”. Mas ninguém esclarece como conquistaram seus imensos espaços inicialmente florestados, sendo que, alguns outros, vivendo em diferentes áreas do cetro-sul brasileiro, quando perguntados sobre como enriqueceram tanto, esclarecem que foi com os “seus negócios na Amazônia” (…). Ou seja, por meio de loteamentos ilegais, venda de glebas para incautos em locais de difícil acesso, os quais ao fim de um certo tempo são libertados para madeireiros contumazes. E o fato mais infeliz é que ninguém procura novos conhecimentos para reutilizar terras degradadas ou exigir dos governantes tecnologias adequadas para revitalizar os solos que perderam nutrientes e argilas, tornando-se dominadas por areias finas (siltizaçao).
Entre os muitos aspectos caóticos, derivados de alguns argumentos dos revisores do Código, destaca-se a frase que diz que se deve proteger a vegetação até sete metros e meio do rio. Uma redução de um fato que por si já estava muito errado, porém agora esta reduzido genericamente a quase nada em relação aos grandes rios do país. Imagine-se que para o rio Amazonas, a exigência protetora fosse apenas sete metros, enquanto para a grande maioria dos ribeirões e córregos também fosse aplicada a mesma exigência. Trata-se de desconhecimento entristecedor sobre a ordem de grandeza das redes hidrográficas do território intertropical brasileiro. Na linguagem amazônica tradicional, o próprio povo já reconheceu fatos referentes à tipologia dos rios regionais. Para eles, ali existem, em ordem crescente: igarapés, riozinhos, rios e parás. Uma última divisão lógica e pragmática, que é aceita por todos os que conhecem a realidade da rede fluvial amazônica. Por desconhecer tais fatos os relatores da revisão aplicam o espaço de sete metros da beira de todos os cursos d’água fluviais sem mesmo ter ido lá para conhecer o fantástico mosaico de rios do território regional.
Mas o pior é que as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva. Fala-se em sete metros e meio das florestas beiradeiras (ripario-biomas), e, depois em preservação da vegetação de eventuais e distantes cimeiras. Não podendo imaginar quanto espaço fica liberado para qualquer tipo de ocupação do espaço. Lamentável em termos de planejamento regional, de espaços rurais e silvestres. Lamentável em termos de generalizações forçadas por grupos de interesse (ruralistas).
Já se poderia prever que um dia os interessados em terras amazônicas iriam pressionar de novo pela modificação do percentual a ser preservado em cada uma das propriedades de terras na Amazônia. O argumento simplista merece uma crítica decisiva e radical. Para eles, se em regiões do centro-sul brasileiro a taxa de proteção interna da vegetação florestal é de 20%, porque na Amazônia a lei exige 80%? Mas ninguém tem a coragem de analisar o que aconteceu nos espaços ecológicos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais com o percentual de 20%. Nos planaltos interiores de São Paulo a somatória dos desmatamentos atingiu cenários de generalizada destruição. Nessas importantes áreas, dominadas por florestas e redutos de cerrados e campestres, somente o tombamento integrado da Serra do Mar, envolvendo as matas atlânticas, os solos e as aguadas da notável escarpa, foi capaz de resguardar os ecossistemas orográficos da acidentada região. O restante, nos “mares de morros”, colinas e várzeas do Médio Paraíba e do Planalto Paulistano, e pró-parte da Serra da Mantiqueira, sofreram uma detruição deplorável. É o que alguém no Brasil – falando de gente inteligente e bioética – não quer que se repita na Amazônia brasileira, em um espaço de 4.200.000 km².
Os relatores do Código Florestal falam em que as áreas muito desmatadas e degradadas poderiam ficar sujeitas a “(re)florestamento” por espécies homogêneas, pensando em eucalipto e pinus. Uma prova de sua grande ignorância, pois não sabem a menor diferença entre reflorestamento e florestamento. Esse último, pretendido por eles, é um fato exclusivamente de interesse econômico empresarial, que infelizmente não pretende preservar biodiversidades, sendo que eles procuram desconhecer que para áreas muito degradadas foi feito um plano de (re) organização dos espaços remanescentes, sob o enfoque de revigorar a economia de pequenos e médios proprietários: Projeto FLORAM. Os eucaliptologos perdem éticos quando alugam espaços por trinta anos, de incautos proprietários, preferindo áreas dotadas ainda de solos tropicais férteis, do tipo dos oxissolos, e evitando as áreas degradadas de morros pelados reduzidas a trilhas de pisoteio, hipsométricas, semelhantes ao protótipo existente no Planalto do Alto Paraíba, em São Paulo.
Ao arrendar terras de bisonhos proprietários, para uso em 30 anos, e sabendo que os donos da terra podem morrer quando se completar o prazo. Fato que cria um grande problema judicial para os herdeiros, sendo que ao fim de uma negociação as empresas cortam todas as árvores de eucaliptos ou pinos, deixando miríades de troncos no chão do espaço terrestre. Um cenário que impede a posterior reutilização das terras para atividades agrárias. Tudo isso deveria ser conhecido por aqueles que defendem ferozmente um Código Florestal liberalizante.
Por todas as razões somos obrigados a criticar a persistente e repetitiva argumentação do deputado Aldo Rebelo, que conhecemos há muito tempo, e de quem sempre esperávamos o melhor, no momento somos obrigados a lembrar a ele que cada um de nós tem que pensar na sua biografia, e, sendo político, tem que honrar a história de seus partidos. Mormente em relação aos partidos que se dizem de esquerda e jamais poderiam fazer projetos totalmente dirigidos para os interesses pessoais de latifundiários.
Insistimos que em qualquer revisão do Código Florestal vigente deve-se enfocar as diretrizes através das grandes regiões naturais do Brasil, sobretudo domínios de natureza muito diferentes entre si, tais como a Amazônia e suas extensíssimas florestas tropicais, e o Nordeste Seco, com seus diferentes tipos de caatingas. Trata-se de duas regiões opósitas em relação à fisionomia e à ecologia, assim como em face das suas condições socioambientais. Ao tomar partido pelos grandes domínios, administrados técnica e cientificamente por órgãos do executivo federal, teríamos que conectar instituições específicas do governo brasileiro com instituições estaduais similares. Existem regiões como a Amazônia que envolve conexões com nove estados do Norte brasileiro. Em relação ao Brasil tropical atlântico os órgãos do Governo Federal – IBAMA, IPHAN, FUNAI e INCRA – teriam que manter conexões com os diversos setores similares dos governos estaduais de Norte a Sul do Brasil, e assim por diante.
Enquanto o mundo inteiro repugna para a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico, fato observado por muitos críticos em diversos trabalhos e entrevistas.
Parece ser muito difícil para pessoas não iniciadas em cenários cartográficos perceber os efeitos de um desmatamento na Amazônia de até 80% das propriedades rurais silvestres. Em qualquer espaço do território amazônico, que vem sendo estabelecidas glebas nas quais se poderia realizar um desmate de até 80%, haverá um mosaico caótico de áreas desmatadas e faixas inter-propriedades estreitas e mal preservadas. Lembrando ainda que, nas propostas de revisão, propriedades de até 400 hectares teriam o direito de um desmate total em suas terras, vejo-me na obrigação de que a médio e longo prazo existiria um infernal caleidoscópio no espaço total de qualquer área da Amazônia. Nesse caso, as bordas dos restos de florestas, inter-glebas, ficarão à mercê de corte de árvores dotadas de madeiras nobres. E, além disso, a biodiversidade animal certamente será a primeira a ser afetada de modo radical.
Uma cartografia simbólica dos desmates, em propriedades de diferentes tamanhos, permite uma previsão visual do que seria a dinâmica do cenário do desmatamento regional, antevisto a médio prazo. Baseados em fatos reais já acontecidos no vale do Tocantins (Pará) e nos planaltos interiores de São Paulo e Minas Gerais.
No caso da Amazônia (o que mais nos preocupa), machadeiros e motoserristas – acompanhados de queimadas sincopadas – o roteiro dos desmatamentos seguiu por rodovias, ramais e sub-ramais, atingindo radicalmente as “espinhelas de peixe” dos loteamentos feitos em quarteirões especulativos no interior das matas biodiversas. Lotes de cinquenta a cem hectares, considerados pequenos na Amazônia, foram vendidos a incautos moradores de regiões distantes. Neste último caso, os numerosos aquisidores, que nem mesmo puderam chegar ao sítio das terras compradas à distância, cederam o espaço para madeireiras espertas e persistentes. Fato que pode ser visto e analisado em imagens de satélite na região norte do Mato Grosso, no médio Tocantins, na Bragantina, Acre sul – oriental, Rondônia, Oeste-noroeste do Maranhão, e diversos outros setores das terras amazônicas.
Insistimos em prever que se houver um Código que limite a área de proteção das florestas a apenas 20% do espaço total de cada propriedade, seja qual for o seu tamanho, de 400 a um milhão de hectares – o arrasamento a médio prazo será inimaginavelmente grande e progressivo.
Uma das justificativas mais frequentes para os que são favoráveis para a ampliação de áreas desmatáveis, – em cada propriedade de terra firme na Amazônia – é de que, assim, haverá mais emprego para trabalhadores amazonidas. Pouca gente lembra, entretanto, que em numerosas fazendas e fazendinhas da Amazônia brasileira predomina o trabalho semi-escravo. Desde o início da ampliação das chamadas fronteiras ditas agrícolas, predominaram o trabalho braçal periódico ou temporário, para machadeiros, criadores de gado, madeireiros e plantadores de eucaliptos. Sendo que, nas raras áreas de solos melhores, estabeleceu-se o vai-e-vem tradicional de empregos no preparo da terra e plantio, em períodos limitados. E, mais tarde, diversas atividades na época da colheita. Caminhoneiros fizeram penetrações esdrúxulas para atingir locais de madeiras nobres ou transportar troncos de árvores para serrarias ou para o transporte de produtos das raras commodities. Agora, em espaços da soja, da cana, e muito eventualmente do arroz. Sendo que somente os capatazes mandonistas ganham razoavelmente.
Quem procura um emprego qualquer, em uma fazenda, ainda que temporário, sofre um drama trágico e muito cansativo. Para chegar à fazenda escolhida, marcham a pé com sua matulinha mirrada de roupas singelas, caminhando por quilômetros nas estreitas trilhas das florestas, até atingir as propriedades onde conseguirão um emprego braçal – seja o preparo do solo para plantações, seja a ampliação dos capinzais para o gado, seja no corte de árvores para ampliação dos espaços ditos produtivos, seja no trabalho rápido e esgotante nas épocas de colheitas. Quando despedidos são obrigados a voltar para áreas de beira de estradas onde existem rústicas aldeias ou “ruas” pseudo-comerciais.
Temos acompanhado, desde 1972, os problemas criados por capatazes autoritários em propriedades amazônicas, pertencentes a pessoas ou grupos de pessoas alienígenas. Conflitos dos mais diferentes tipos acontecem entre pobres trabalhadores silvos-rurais e os donos de propriedades dos mais diferentes tipos. Há uma resistência permanente em face à remuneração dos que vem de fora em face dos minguados preços pagos aos que nasceram na própria Amazônia. Reciprocamente, o comportamento dos proprietários em relação aos poucos tratos de terras férteis pertencentes a reservas indígenas é catastrófico e quase insolúvel. Um dia encontrei em um aeroporto um proprietário de uma fazenda, que ia viajar para a Amazônia no noroeste da Roraima, onde possuía suas terras. Perguntei-lhe qual era a relação entre seus camaradas e os índios Yanomamis da região, e a resposta infeliz veio rápida e antiética: “Para eles, é o meu capataz que responde, erguendo seu perigoso facão”.
Numa ocasião, ao término de uma visita a uma fazenda dedicada à pecuária, nos pediram que em nossa volta levássemos para uma farmácia um camarada doente, que estava passando muito mal. Na realidade, era alguém que contraiu uma malária radical, designada por “tersã maligna”. Não dá para falar sobre o triste estado do pobre trabalhador, sentado no banco detrás do meu carro. Na farmácia, tomamos conhecimento que em casos similares a única providencia era um coquetel de remédios agressivos, por meio dos quais o pobre doente “melhorava ou morria”.
Na rodovia entre Rio Branco e Brasiléia (Acre), pudemos sentir o ódio que alguns jovens tinham para o que chamavam de “paulistas”, os quais teriam comprado terras durante os trabalhos de construção da estrada. O desmate interfluvial fez com que as cabeceiras de igarapés secassem; e que muitas propriedades da terra firme desmatada, ficassem sem qualquer atividade produtiva. Explicação dos acreanos: inadimplência dos proprietários alienígenas “porque nunca eles quiseram fazer uma parceria conosco, que temos muito mais experiência sobre atividades agrárias em nossa região”. Note-se que o termo “paulista” dizia respeito a qualquer pessoa procedente do centro sul do Brasil. Tal como nessa imensa área, todos os migrantes são designados por “baianos”, independentemente de onde tenham vindo.
Aqui chegados em nossas considerações, torna-se indispensável referir-se a atividades de pequenos produtores familiares, dotados de terras mais férteis, de dimensões limitadas, tais como várzeas de ricos solos fluvio-aluviais ao longo do rio Amazonas, ou de pequenas áreas de terra firme dotadas de oxisolos oriundos da decomposição de basaltos ou diabásios [infelizmente, porém, essas últimas áreas são bastante raras, envolvendo em seu espaço total menos de oito mil quilômetros quadrados]. Ou em um modelo localizado de plantações em praias de estiagem do rio Acre. Ou, onde vicejam linearmente melancias, melões e algumas plantas alimentares. Ou em bordas de florestas restantes em terrenos de projetos falidos, onde se estabeleceu o importante e famoso projeto RECA. Houve um tempo em que muito se falou em reservas extrativistas, a partir do Acre de Chico Mendes, ampliado para todo o território amazônico. Evidentemente, houve muito exagero nessa campanha, tão simpática quanto inviável. Mas aconteceu felizmente uma proposta bem mais complexa e diversificada, que pode ter grande aplicação a curto e médio prazo; a qual introduzia atividades mais lógicas e produtivas, sem de tudo eliminar o sentido complementar do extrativismo. Trata-se de um modelo pioneiro, inventado por um ex-padre francês, de origem rural, que após conhecer o Paraná foi para o Acre com a ideia de trabalhar na reutilização de áreas degradadas. Após conversar com o inteligente Bispo Don Grec, em Rio Branco, resolveu fazer uma experiência extremamente válida e quase científica porque se utilizou do chamado “efeito de borda” para iniciar plantações com espécies amazônicas, tais como açaí, cupuaçu e pupunha. Seu projeto foi feito em cooperação com amazonidas residentes na fronteira da Rondônia com o Acre, tendo foco inicial na pequena cidade de Nova Califórnia.
Nenhum governo soube perceber o quanto o projeto ali instalado e desenvolvido, poderia ser útil para numerosas outras áreas de borda de matas remanescentes. Sem falar que no seio da floresta continuava o projeto extrativista tão caro aos companheiros do extraordinário acreano Chico Mendes. Além do que, o chamado “reflorestamento econômico concentrado e adensado” (RECA), teve um caráter didático para os cooperados que se integraram no trabalho, produzindo espécies amazônicas e produtos comestíveis importantes para sua alimentação (como açaí, abacaxis, castanhas e, sobretudo, mandioca). Na borda das florestas, devido à forte luminosidade e hidratação caída das folhas e galhos poderão ser produzidas muito mais coisas ainda, a favor dos amazonidas, tais como bananeiras e mamoeiros, e diversas outras plantas frutíferas. Muita coisa ainda resta ser analisada, no famoso projeto, que infelizmente foi muito pouco compreendido por técnicos e governantes.
Nas mudanças que se pretendem fazer para o atual Código Florestal existem alguns tópicos extremamente criticáveis. Ao se discutir o tamanho de propriedades familiares se definiu as mesmas até quatrocentos hectares. Fato que significa que todas as pequenas e médias propriedades produtoras, ou parcialmente aproveitadas, até 400 hectares poderão ser totalmente desmatadas. O fato de considerar o espaço de propriedades familiares até o nível de 400 hectares é um absurdo total. Trata-se de uma excessiva flexibilização que poderá produzir um mosaico detruidor de florestas ao longo de rodovias, estradas, riozinhos e igarapés. Um cenário trágico para o futuro, em processo no interior da Amazônia brasileira. No entanto, propriedade de 100 a 400 hectares, que conservassem um razoável percentual de matas no seu entorno, poderiam receber esquemas parecidos com o projeto RECA, na borda dos remanescentes florestais. Fato que não foi considerado nem de passagem pelos idealizadores e relatores de um novo Código Florestal. Razão pela qual deixamos aqui além de uma crítica, que julgamos absolutamente necessária, uma proposição de acréscimos de atividades para pequenas e médias propriedade familiares. Lembrando que quem faz críticas tem que elaborar propostas bem planejadas para resolver as situações consideradas negativas.
Anotamos ainda que a ideia de reduzir para 15 metros faixas de proteção de florestas beiradeiras (mini-biomas ripários) tem um caráter extremamente genérico e de duvidosa aplicabilidade. A nosso ver não é possível limitar, generalizadamente, as áreas beiradeiras, em termos de alguns metros de largura. Pelo contrário, é necessário considerar os fatos relacionados a igarapés, riozinhos, rios, e “parás” (grandes rios), utilizando a tipologia popular amazonida. A impressão que se tem é de que, determinando uma largura geral para proteção, estaríamos possibilitando desmates no nível de todos os espaços situados entre a beira de cursos d’água até muito além onde se situam os interflúvios de colinas ou encostas de pequenas serranias amazônicas. Existe toda uma aula a ser dada sobre essa problemática que tende a criar cenários extremamente caóticos em relação ao futuro a diferentes profundidades de tempo.
Um comentário quase final: não se faz qualquer projeto de interesse nacional pensando apenas em favorecer de imediato só uma geração do presente, em termos de especulação com espaços ecológicos, mesmo porque somos de opinião que devemos pensar no sucesso de todos os grupos humanos, ao longo de muito tempo. Uma questão de bioética com o futuro. Sem pensar na grande capacidade que o conjunto das imensas florestas equatoriais zonais preservadas da Amazônia tem em relação ao clima do planeta Terra; assunto que preocupa todos os pesquisadores sensíveis do mundo. Gente que espera que o Brasil faça uma proteção integrada da maior área de vegetação florestal que ainda resta em regiões equatoriais e sub-equatorias do mundo. Será muito triste, cultural e politicamente falando, que pessoas de diversas partes do mundo ao lerem as mudanças absurdas pretendidas para o Código Florestal, venham a dizer que fica comprovado que “o Brasil não tem capacidade para administrar e gerenciar a Amazônia”. Ainda que em outros países haja um interesse permanente em adquirir por preços irrisórios as madeiras do território amazônico. Tristes frases que sempre vem sendo ditas ao sabor de trágicos acontecimentos ocorridos em nossa principal área de vegetação florestal, que se estende por alguns milhões de quilômetros quadrados.
A utopia de um desenvolvimento com o máximo de florestas em pé não pode ser eliminada por princípio em função de mudanças radicais do Código Florestal, sendo necessário pensar no território total de nosso país, sob um ampliado e correto Código de Biodiversidade. Ou seja, um pensamento que envolva as nossas grandes florestas (Amazônia e Matas Tropicais Atlânticas), o domínio das caatingas e agrestes sertanejos, planaltos centrais com cerrados, cerradões e campestres; os planaltos de araucárias sul-brasileiros, as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, e os redutos e mini-biomas da costa brasileira e do Pantanal mato-grossense, e faixas de transição e contrato (core-áreas) de todos os domínios morfoclimáticos e fitogeográficos brasileiros).
Seria necessário que os pretensos reformuladores do Código Florestal lançassem sobre o papel os limites de glebas de quinhentos a milhares de hectares, e dentro de cada parcela das glebas colocasse indicações de 20% correspondente às florestas ditas preservadas. E, observando o resultado desse mapeamento simulado, poderiam perceber que o caminho da devastação lenta e progressiva iria criar alguns quadros de devastação similares ao que já aconteceu nos confins das longas estradas e seus ramais, em espaços de quarteirões implantados para venda de lotes de cinquenta a cem hectares, onde o arrasamento de florestas no interior de cada quarteirão foi total e inconseqüente, decorridos poucos anos.
Aziz Nacib Ab Sáber
São Paulo, 21 de julho de 2010

sexta-feira, 16 de março de 2012

Quem terá acesso à Copa do Mundo no Brasil?

Foto: Maracanã em reconstrução.                         Fonte: esporte.uol.com.br

 Valter Machado da Fonseca*

Antes mesmo de os ingressos dos jogos da Copa do Mundo 2014, a ser realizada em nosso país, serem colocados à venda, já assistimos às propagandas enganosas veiculadas nos meios de comunicação de massa brasileiros. É emblemático o papel desempenhado pela grande mídia, no sentido de camuflar e disfarçar o gigantesco abismo da desigualdade social em nosso país.
No dia 08 de março, nas comemorações do Dia Internacional da Mulher, uma das principais redes de comunicação de nosso país, exibiu uma reportagem na TV, que destacou o ofício das mulheres [operárias] que trabalham nas obras de reconstrução do estádio Mário Filho [o Maracanã], na cidade do Rio de Janeiro. A reportagem deu importante relevância ao trabalho das mulheres em diversas frentes de serviço em nossa nação [fato com o qual concordamos]. Em seguida, a emissora deu um panorama geral do que significará a realização da Copa do Mundo no Brasil. Porém, a grande farsa, a grande enganação ficou para o final da matéria, quando a emissora afirmou, com todas as letras, que “com certeza, aquelas operárias que tanto esforço dedicam na reconstrução de tão magnífico e importante palco de futebol, em 2014 estarão do lado de dentro do estádio assistindo confortavelmente aos jogos da Copa do Mundo!”.
Aí cabe a nós indagarmos: A emissora tem certeza que aquelas operárias, assim como outras importantes categorias da classe trabalhadora brasileira terão acesso aos jogos da Copa do Mundo em nosso país? Será que a “respeitada” emissora de TV sabe que a maioria dos ingressos serão dirigidos aos turistas abastados financeiramente, ou então, estarão nas mãos de grandes grupos econômicos ligados à realização deste evento esportivo mundial? Será que esta emissora não sabe que os preços dos ingressos estarão fora da realidade dos trabalhadores brasileiros?  Será que estas operárias terão oportunidade de adquirir entradas nem que seja na última fila do anel inferior do “Maraca”?
Todas as pessoas que têm o hábito de acompanhar eventos esportivos desta envergadura e magnitude sabem, perfeitamente, que a quase totalidade dos ingressos já estão dirigidos e até mesmo reservada para os seletos grupos de turistas estrangeiros que, com certeza virão a nosso país para gastar seus fartos dólares e euros [mesmo considerando que tais moedas já não se encontram em seu auge]. Outra parte dessas entradas irá para o comércio clandestino e ilegal nas mãos dos cambistas [fato que já se incorporou à história do futebol brasileiro], os quais irão repassá-los por três vezes o seu valor, para o consumidor brasileiro.
Quanto aos trabalhadores e às nossa queridas operárias que trabalham nas obras de todos os estádios que receberão os jogos mundiais de 2014, terão que se contentar em assistir aos jogos na TV em suas residências. E mais, estarão assistindo aos jogos acompanhando a mesma emissora que mente descaradamente ao afirmar que terão acesso a eles, sentados, confortavelmente, do lado de dentro dos estádios. Esta mesma rede de TV que terá exclusividade [quase que total] nas transmissões da próxima Copa do Mundo em nosso país. Então, aos trabalhadores brasileiros cabe o direito de assistirem aos jogos em suas casas, ou então, poderão aproveitar o evento para vender seus sanduíches, seus artesanatos e suas bandeiras nos arredores dos estádios. Isto é, se eles conseguirem pagar a quantia exorbitante pela qual será alugada o m2 no entorno dos palcos esportivos. É sempre assim: nós [trabalhadores brasileiros] jogamos o futebol e construímos os modernos estádios para os turistas aplaudirem!


* Escritor. Geógrafo, mestre e doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia [UFU]. Pesquisador e professor da Universidade de Uberaba [Uniube]. machado04fonseca@gmail.com

sexta-feira, 9 de março de 2012

CONGRESSO NACIONAL: que bicho é esse?

Fonte: gazetanews.com (2012)

Valter Machado da Fonseca*
As eleições se aproximam e o clima esquenta, de uma vez por todas, no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Cada um dos parlamentares [de todos os partidos, sem exceção] procura defender com “unhas e dentes” seu quinhão no processo eleitoral de 2012 e, ao mesmo tempo, garantir concessões do governo [à custa do nosso dinheiro, é claro] para a manutenção do status quo de seus “sagrados currais eleitorais” nos grandes centros e nos mais longínquos rincões do nosso imenso Brasil. Esta prática, aliás, já é uma velha conhecida nossa em todas as campanhas eleitorais que vêm desde a “Velha República”.
São nos momentos pré-eleitorais que assistimos às maiores aberrações no Congresso Nacional, nas Câmaras Municipais de Vereadores em todo o país e nas ações dos diversos representantes dos poderes executivos municipais na grande maioria dos municípios brasileiros. É muito comum a gente observar material eleitoral em formato de revistas [em papel couche] fazendo verdadeiras apologias a feitos ilusórios [mentirosos] de certos candidatos em períodos pré-eleitorais. São materiais que custam pequenas fortunas. Aí, indagamos: este material é pago com dinheiro de quem? Com certeza, com dinheiro da população!
O povo acaba financiando campanhas de candidatos que não possuem nenhum compromisso para com ele. Outro aspecto importante a se observar é que o candidato, uma vez eleito, dificilmente perde seu mandato no próximo pleito. E porque isto ocorre? Este fato se verifica devido à edificação dos “currais eleitorais”, mantidos durante a toda a vigência dos mandatos com recursos públicos, os quais deveriam ser investidos na educação, saúde, infra-estrutura, transporte público, moradias, dentre outros importantes setores que necessitam de investimento. Sob a lógica perversa, os currais garantem a perpetuação de diversos candidatos no poder, ao mesmo tempo em que elimina a possibilidade de que pessoas de boa índole possam assumir um cargo de representação parlamentar.
E o Congresso nacional, que bicho é este?
Estes momentos que antecedem aos processos eleitorais servem para que façamos uma reflexão sobre o papel de deputados e senadores no Congresso Nacional. Aí, são importantes as indagações: nesta última década em particular, quantas matérias de interesse real para a população foram debatidas e votadas nessas casas parlamentares? Há quanto tempo, as CPIs, esquemas de corrupção, desvios de verbas, propinas e descaso com a “coisa pública” têm sido os assuntos principais das agendas de votação do Congresso Nacional? Quantas vezes a legislação em causa própria e o aumento de verbas parlamentares têm ocupado a pauta de votação do Congresso Nacional e, até mesmo das câmaras municipais de vereadores?
E o circo eleitoral está montado novamente!
Nestes dias temos presenciado à montagem de mais um “circo eleitoral”. Desta vez ele visa eleger novos prefeitos e vereadores. Então, porque é que os deputados e senadores não continuam seu “árduo trabalho” em Brasília e não deixam que este processo eleitoral seja resolvido em âmbito municipal e/ou mesmo regional. A resposta é simples: porque os prefeitos e vereadores são as bases, os pilares de sustentação da maioria dos milhares de “currais eleitorais” dos “senhores” deputados e senadores em todo o país. Aí, eles enchem a boca e justificam: “É hora de voltar, visitar as bases”. Por quê?
Ora, meus [minhas] caros [as] leitores [as]! É chegado o momento de darmos um basta nesse jogo sujo que move o processo eleitoral em nosso país. É chegado o momento de exigirmos transparência no trato da “coisa pública” em nossa nação, sob pena de assistirmos, cada dia mais, à perpetuação de bandidos assumindo os cargos de representação dos amplos setores que compõem a nação digna e honesta erguida com o suor dos legítimos trabalhadores de nosso Brasil.  


* Escritor. Geógrafo, mestre e doutorando pela Universidade Federal de Uberlândia [UFU]. Pesquisador e professor da Universidade de Uberaba [Uniube]. machado04fonseca@gmail.com  

sábado, 3 de março de 2012

TODAS AS MULHERES DO MUNDO!

Rosa na neve. Fonte: noticias.uol.com.br

Valter Machado da Fonseca

São belas, elegantes, imponentes, onipotentes
São frágeis, delicadas, dedicadas, cansadas
São ousadas, irreverentes, abusadas, carentes
São fortes, valentes, complicadas, impertinentes

De dia são frias, espiam, planejam com precisão
Agem destemidas, provocam a vaidade, escondem a paixão
À noite são anjos, carentes, provocantes, ardentes...
Arrancam do nosso peito, suspiros, desejos impertinentes

No dia a dia, na batalha da vida, são valentes guerreiras
Às vezes riem, às vezes choram, mas sempre se erguem
Como estátuas de bronze, como seres indestrutíveis
Nos corações delicados, cansados e frágeis...
Escondem a força, a determinação e a vontade imbatíveis

Diante da árdua batalha, da luta interminável
Lá estão elas, resolutas, decididas, reinando absolutas
Com força e coragem supremas, são sempre implacáveis
Mesmo na melancolia, mesmo no sofrimento são amáveis.

Às vezes, chateadas, apavoradas, superando o pavor
Agem de mansinho, com carinho, superando a dor
Fazem de maneira imprevisível, até o que parece impossível
De maneira impecável, diante do ser insaciável
Tudo perfeito, para manter o ser amado satisfeito

Nós, meros mortais, seres imorais, até irracionais
Diante da grandeza, aos pés da beleza
Mostramos arrogância na completa ignorância
Queremos mostrar a valentia repleta de covardia
Mas sucumbimos diante da beleza, delicadeza e grandeza
Mostrando quanto somos ínfimos, perante tamanha sutileza.

8 DE MARÇO: quem é esta “figura” chamada mulher?

 Rev. Francesa: Mulher como símbolo da liberdade. Fonte: historiadecifrada.blogspot.com

Valter Machado da Fonseca
Nos diversos modelos de sociedade que perpassam a história das civilizações, a “disputa” entre homens e mulheres tem sido um ingrediente marcante da história da luta de classes em todo o mundo. Embora nos tempos modernos a maioria desconheça o fato, em diversos modelos de sociedades pretéritas houve longos períodos históricos em que a supremacia não era masculina, mas sim feminina: eram as denominadas sociedades matriarcais.
Desde o início da gestação da sociedade capitalista, isto é, na dita Idade Média ou Período Medieval, que surgiu a necessidade imperiosa da imposição do domínio masculino sobre o feminino. Embora a bandeira da revolução burguesa destaque a figura justamente de uma mulher ostentando o pavilhão da revolução [uma mulher imponente, bela e com os seios nus], é exatamente nesta época que a mulher é subjugada com o domínio machista beirando a mais completa violência e crueldade. Neste modelo de sociedade é que vai imperar a divisão social e sexual do trabalho, como forma de dominação plena do capital sobre o trabalho.
A partir daí, a figura da mulher passou a desempenhar importante papel nos anais da luta de classes em todo o mundo. O dia 8 de março foi institucionalizado como o “Dia Internacional da Mulher” a partir de uma importante marca histórica contra a exploração do capital sobre o trabalho. A origem da data se vincula à revolta das tecelãs de Nova Iorque contra a exploração capitalista. Neste mesmo dia, no ano de 1857, as tecelãs [operárias] de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque realizaram uma greve heróica contra a monstruosa e impiedosa jornada de 16 horas ininterruptas de trabalho. Na repressão ao movimento grevista os “donos do capital” atearam fogo à fábrica, queimando vivas cerca de 130 operárias/tecelãs. Nascia, assim, o dia internacional da mulher. A data foi institucionalizada em 1910, durante uma conferência na Dinamarca, por iniciativa de Clara Zetkin, uma ativista feminista e foi referendada pela ONU somente no ano de 1975.  
Mas, quem é a mulher dos dias atuais? 
O século XX, em especial, foi marcado por significativas vitórias do movimento feminista [ou feminino] em nível mundial. Aqui vale relembrar o movimento intitulado de “A queima dos sutiãs”. Este movimento retratou a queima simbólica dos sutiãs por cerca de 400 ativistas do WLM (Women’s Liberation Movement), durante o concurso de Miss América em 1968. A simbologia deste movimento significou o “basta” das mulheres de todo o mundo contra o preconceito e a discriminação sexual e profissional em todo o planeta. A partir daí, as mulheres têm conseguido conquistas significativas tanto no que se refere às liberdades individuais, de direitos humanos, como no próprio mundo do trabalho.
Hoje, milhares de organizações, entidades e ativistas que se reivindicam da luta em defesa dos direitos e conquistas da mulher se multiplicam e proliferam pelos quatro cantos do planeta. Centenas de mulheres também se destacaram ao longo da história recente da humanidade na luta contra o preconceito e a discriminação, enfim, contra a exploração capitalista. Aqui vale destacar alguns nomes como Joana D’Arc, Dandara [mulher de Zumbi], Rosa de Luxemburgo, Leila Diniz, Zilda Arns, Dorothy Stang, Clarice Lispector, Raquel de Queiroz, Violeta Parra, Mercedes Sosa, Olga Benario dentre inúmeras outras.
O que significa o dia internacional da mulher nos tempos modernos?
Hoje, como de costume, o capital transforma tudo que é possível em mercadoria. Assim, ele se apossa, cada dia mais, do Dia Internacional da Mulher como, apenas mais uma data para fortalecimento do mercado de consumo. As raízes desse dia têm se perdido em meio à sedução e ao fetiche da sociedade que reduz o “tudo” ao quase “nada”, o “substancial” ao “irrisório”, o “significativo” ao “superficial”. Ou seja, esta data de extrema significação em sua origem tem se tornado, nos dias atuais, apenas mais um instrumento de dominação burguesa, de comércio de flores e de bombons, enfim de trocas de supérfluos e banalidades entre homens e mulheres donos da mais valia capitalista.
Cabe a homens e mulheres repensarem as raízes sobre as quais se edificou a simbologia desta data. Cabe a homens e mulheres repensarem o verdadeiro sentido da luta contra a opressão e contra a dominação do capital em todas as esferas. Cabe às mulheres e aos homens refletirem sobre a sociedade de classes. Afinal, a exclusão a miséria e a pobreza não possuem sexo, raça ou cor. Homens e mulheres devem ocupar o mesmo lado da trincheira na luta contra o preconceito e a discriminação. Assim, homens e mulheres, enfim, os trabalhadores devem lutar em favor da consciência de pertencimento de classe, pois, somente assim, estaremos dando passos significativos pela libertação do jugo e da ganância do capital. Somente neste sentido estaremos combatendo, efetivamente, a alienação do trabalho. Assim, nesta direção, retomaremos o caráter classista do Dia Internacional da Mulher, fazendo com que o sacrifício das vidas ceifadas das mártires/tecelãs de Nova Iorque não tenha sido em vão, mas em prol da luta de libertação de todos os oprimidos e marginalizados.