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sábado, 19 de fevereiro de 2011

BIOPIRATARIA: O TRÁFICO INTERNACIONAL DA BIODIVERSIDADE BRASILEIRA

Prof. Ms. Valter Machado da Fonseca

O termo biopirataria é aparentemente novo, apesar do tráfico do patrimônio florístico brasileiro, constituir-se numa prática que remonta à época do descobrimento do Brasil, há 500 anos atrás. Esta prática teve início através da exploração do nosso pau Brasil, que era levado para a Europa pelos portugueses para fabricação de tintas e corantes.
A Exploração desordenada da madeira brasileira inaugurou um período de “rapinagem” dos recursos florísticos de um dos mais ricos biomas do país: a mata atlântica. Hoje este bioma está praticamente, extinto restando apenas manchas da vegetação original (cerca de 10%).
A riqueza dos recursos naturais do país vem despertando a cobiça dos povos de todas as partes do mundo, o que vem impulsionando o tráfico do patrimônio florístico e faunístico do Brasil, a biopirataria.
Podemos afirmar que a biopirataria, além de realizar a pilhagem de nossa biodiversidade, também se apropria da cultura e dos saberes das comunidades que habitam os biomas brasileiros desde antes do “descobrimento” do país.
Este artigo tratará da importante temática a respeito da riqueza dos recursos naturais brasileiros. Ironicamente, este tema, de fundamental relevância, é muito mais conhecido na comunidade científica internacional do que nas próprias universidades brasileiras. A comunidade científica internacional investe em proporções inúmeras vezes maiores, em estudos dos nossos biomas, dos nossos potenciais florístico, faunístico, dos nossos minerais e minérios, dos nossos recursos hídricos, enfim, no estudo de todas as fontes dos nossos recursos naturais, do que as universidades e centros de pesquisas do Brasil.
A “lógica” da biopirataria é herança do pensamento positivista, o qual forjou todo o processo da revolução industrial, portanto, é preciso voltar a ele para compreender a trama que envolve a apropriação ilegal do nosso patrimônio genético.
A exploração desordenada e descontrolada de nossos recursos naturais é uma característica marcante do modo de produção capitalista, o qual reflete a lógica do pensamento positivista, predominante, principalmente, entre os filósofos ingleses e franceses do século XVIII.
Esta forma de pensamento exclui o ser humano do conjunto das forças que mantém o equilíbrio do grande ecossistema planetário, situando-o num patamar privilegiado, acima dos elementos que compõem a natureza e não como parte integrante dela. Portanto, foi a partir da “lógica” deste pensamento, que se deu o processo de aceleração da degradação ambiental, desde a revolução industrial, em fins do século XVIII, na Inglaterra. Desta forma a problemática ambiental é herdeira direta da concepção de que o homem, por ser capaz de raciocinar, adquirir, produzir e organizar conhecimentos, está acima da natureza e das leis que regem o planeta e o mantém em equilíbrio.
As considerações elencadas acima são necessárias para se obter um entendimento correto do potencial da biodiversidade brasileira, da exploração desordenada de nossos recursos naturais e do enorme interesse da comunidade científica internacional em desvendar o potencial genético desta biodiversidade. Para isso, investem pesado em projetos de estudos e pesquisas dos biomas brasileiros, a exemplo do cerrado (o que resta dele), da floresta amazônica, da caatinga, do pantanal, da mata atlântica (o que resta dela), dos campos e pradarias e dos manguezais, etc.
Para ilustrar este ensaio, far-se-á uma referência ao potencial da Amazônia, um exemplo clássico, por tratar-se do nosso maior e mais rico bioma.
O Brasil é um país privilegiado, pois, possui 12% da água potável do planeta, a maior floresta tropical do globo (Amazônia), as maiores fontes de energia da face da terra (grande quantidade de energia solar por se situar-se na região intertropical), um enorme potencial hidrelétrico e um dos maiores potenciais em patrimônio genético do mundo.
Segundo dados dos centros de pesquisas internacionais, a Amazônia brasileira, que ocupa 5.217.042 km, ² cerca de 61% do território nacional, é o grande atrativo em uma época  em que a biotecnologia agrega valor à biodiversidade. O valor dos serviços de ecossistemas e capital natural representa 33 trilhões de dólares atuais, quase duas vezes o produto interno bruto (PIB) mundial. No Brasil, estima-se que este valor atinja 45% do PIB, considerando-se somente a atividade agroindustrial, a extração de madeira e pesca. A Amazônia possui 30% de todas as seqüências de DNA que a natureza combinou em nosso planeta, um estoque genético que representa fonte natural de produtos farmacêuticos, bioquímicos e agronômicos. Estima-se que existam de 5 a 30 milhões de espécies na Amazônia, estando apenas 1,4 milhões dessas catalogadas: 750 mil espécies de insetos, 40 mil de vertebrados, 250 mil espécies diferentes de árvores/hectare, 1400 tipos de peixes, 1300 espécies de pássaros e mais de 300 espécies de mamíferos diferentes. Só no Brasil, há 2,8 mil espécies de madeiras distribuídas em 870 gêneros e 129 diferentes famílias botânicas que representam, aproximadamente, 1/3 das florestas tropicais do mundo, uma reserva estimada em 1,7 trilhões de dólares somente em madeira de lei.
Isto sem considerar o patrimônio genético e a biodiversidade dos demais biomas brasileiros como o cerrado, pantanal, a caatinga, a mata atlântica, os manguezais e os campos, o que deve somar mais um punhado de trilhões de dólares, além do valor incalculável das fontes energéticas e dos recursos minerais (minérios, metais, pedras preciosas e semi-preciosas, etc.) brasileiros. É todo esse patrimônio genético e essa gama de biodiversidade que estão em disputa, o que, fatalmente, geram conflitos. Não é por mero acaso que os EUA instalaram 16 bases militares em torno da Amazônia, justamente nos pontos de maior concentração de patrimônio genético e/ou recursos minerais. É a estratégia norte-americana para a exploração de nossos recursos naturais, após ser legitimada com a implementação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Há que se considerar, ainda, os conflitos que marcam a sociedade capitalista contemporânea, como as crises em torno da disputa pelo uso dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural, carvão mineral, etc.) e até mesmo a disputa pela água potável do planeta. A população, as comunidades científicas e os centros de pesquisas brasileiros desprezam, conscientemente ou inconscientemente, a imensa riqueza que o país possui em recursos naturais.
Os tempos modernos são marcados, fundamentalmente, pelo avanço espetacular da tecnologia de ponta, principalmente no que se refere ao desenvolvimento extraordinário das telecomunicações, dos transportes e da informática: a terceira revolução tecnológica.
Paralelamente a ela, a biotecnologia surge como um fato inovador, graças ao domínio do homem sobre os conhecimentos da engenharia genética, o que resultou em experimentos que tiveram como conseqüência o deciframento do DNA, através da leitura científica completa do código genético. Acontecimentos, que há poucas décadas eram considerados cenas de ficção científica, a exemplo da clonagem de indivíduos, tecidos e órgãos animais e/ou vegetais e até mesmo do próprio homem, a partir de células-tronco, hoje já são uma realidade. A biotecnologia, em especial aquela aplicada à agricultura (a exemplo da transgenia, do melhoramento genético de sementes e espécies vegetais) vem interferindo na vida das espécies animais e vegetais, o que tem colocado em risco o equilíbrio dos ecossistemas, a sobrevivência das espécies, dentre elas o próprio homem. Tudo isso, para manter um dos principais pilares de sustentação do capitalismo contemporâneo: a agroindústria e o agronegócio.
A biotecnologia aplicada à agricultura ou biotecnologia de alimentos busca sua matéria prima no patrimônio genético da flora e da fauna, do mesmo modo que procedem as indústrias farmacêutica, bioquímica e agronômica. Diante disso, o potencial florístico/faunístico brasileiro é riquíssimo e, portanto, um dos principais focos de atenção das corporações transnacionais e multinacionais pertencentes às grandes potências capitalistas mundiais.
É neste contexto, que se situa a biopirataria. A indústria da biopirataria é formada por uma rede internacional de traficantes, que roubam nossa madeira, surrupiam nossas plantas medicinais e nossa fauna ao mesmo tempo em que se apropriam dos conhecimentos e saberes das comunidades dos povos da floresta. Esta contravenção causa devastação das florestas, quebrando o equilíbrio dos ecossistemas e colocando em risco todas as comunidades dos seres vivos. Como exemplo, podemos citar uma espécie vegetal de fundo de quintal (nome popular: quebra pedras), cujo uso terapêutico para problemas urinários já está patenteado nos EUA e, o nosso famoso cupuaçu, cuja patente de uso já pertence ao Japão. Estes são apenas dois exemplos entre centenas (ou mais), uma vez que não é possível estimar valores e quantidades, pois, a biopirataria é uma atividade clandestina do tráfico internacional.
Além de tudo isso, a biopirataria atua como agente de ruptura da cadeia alimentar, provocando a erosão genética, impedindo a continuidade do processo evolutivo da vida no planeta, através da inserção de espécies modificadas geneticamente no meio natural, causando também contaminação das águas e dos solos e ocasionando impactos comparados aos da “revolução verde” da década de 1970.
O chamado desenvolvimento sustentável, conceito que ganhou projeção a partir da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992 como “aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das futuras gerações de atenderam suas próprias necessidades” é polêmico e carregado de economicismo e antropocentrismo, uma vez que coloca como a principal função da natureza o atendimento material do ser humano, no presente e nas futuras gerações.
Por fim, este ensaio, diante de tudo que foi exposto, conclui que faz-se necessário a introdução deste importante eixo temático nas escolas, junto à população, às entidades da sociedade civil organizada, enfim, junto à sociedade em geral no sentido de mobilização de amplos setores da população para efetivar soluções que visem garantir o combate efetivo à biopirataria, visando preservar o patrimônio genético e os recursos naturais brasileiros, como uma das formas de garantir a continuidade da vida no planeta. Isto leva, fatalmente, ao questionamento do atual modelo de desenvolvimento econômico do país.
Os elementos apontados e destacados neste texto abrem o grande desafio de direcionar o desenvolvimento técnico-científico para a solução dos grandes e graves problemas que assolam a humanidade.
Caso contrário, várias espécies estarão, indubitavelmente, sujeitas à extinção e dentre elas, o homo sapiens. A luta é para que a ciência avance de uma tecnocracia que domina o homem, para uma tecnologia a serviço da humanidade.

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