Total de visualizações de página

sábado, 19 de fevereiro de 2011

TRIÂNGULO MINEIRO: A ONDA “AMARGA” DA MONOCULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR INVADE O CERRADO.

Prof. Ms. Valter Machado da Fonseca
Depois da soja, assiste-se à ofensiva impiedosa da monocultura da cana-de-açúcar invadir o cerrado brasileiro (ou as manchas que ainda restam dele). No Triângulo Mineiro, em particular, esta invasão tem assumido proporções gigantescas. Assiste-se, agora acompanhada da tecnologia de última geração, ao retorno da monocultura que marcou o início do processo de colonização do Brasil. O discurso em defesa desta monocultura traz em suas entrelinhas argumentos que tentam apagar da memória do povo brasileiro, as marcas de um período, não tão distante, de degradação ambiental, de torturas, de escravidão e de exploração dos negros e indígenas desta terra, ainda majestosa.
É importante, aqui, destacar um trecho de Francisco Graziano Neto:

Sobre a devastação ocorrida com o ciclo da cana-de-açúcar no Nordeste, desde o século XVI, assim se manifesta Galeano, baseando-se em Josué de Castro: “O açúcar arrasou o Nordeste. A faixa úmida do litoral, bem regada por chuvas, tinha um solo de grande fertilidade, muito rico em húmus e sais minerais, coberto por matas tropicais da Bahia até o Ceará. Esta região de matas tropicais converteu-se, como diz Josué de Castro, em região de savanas. Naturalmente nascida para produzir alimentos, passou a ser uma região de fome. Onde tudo germinava com exuberante vigor, o latifúndio açucareiro, destrutivo e avassalador, deixou rochas estéreis, solos lavados, terras erodidas [...]. Os incêndios que abriam terras aos canaviais devastaram a floresta e com ela a fauna; desapareceram os cervos, os javalis, as toupeiras, os coelhos, as pacas e os tatus. O tapete vegetal, a flora e a fauna sacrificadas, nos altares da monocultura, à cana-de-açúcar. A produção extensiva esgotou rapidamente o solo”. (GRAZIANO NETO, 1986, p.94)
O trecho extraído da obra de Graziano Neto refere-se à formulação de Josué de Castro, um dos maiores especialistas e estudiosos, acerca da temática da seca do Nordeste. “Geografia da Fome”, talvez tenha sido a obra de Castro que mais se aprofunda nos estudos das desigualdades sociais que marcam as regiões brasileiras, principalmente o Nordeste do Brasil.
Este pequeno fragmento de texto, contido na obra de Graziano Neto, expressa com muita propriedade os danos causados ao solo por este tipo de monocultura. Na época do Brasil Colônia, a preocupação com a preservação dos solos era pequena, justamente pela abundância de terras virgens; quando uma área ficava comprometida, era simplesmente abandonada e se partia para a predação de outras áreas. Quantas vezes já se presenciaram a prosa entre antigos agricultores, quando da derrubada das matas para novos plantios: “Terras cheias de vida, gordas”, diziam. Sobre essas terras “cheias de vida”, pouco se pode dizer, nos dias atuais. Elas se transformaram em simples substrato de sustentação de plantas e que exigem técnicas artificiais e cada vez maiores quantidades de agrotóxicos, para produzirem.
  A prática da monocultura deixa o solo totalmente exposto. O sintoma mais aparente e conhecido da degradação dos solos agrícolas é a erosão. Ela não é um fenômeno natural, embora a intensidade das chuvas e a declividade do terreno possam influir sobre sua ocorrência. Sua origem verdadeira é a infiltração deficiente da água no solo, por alterações ou perda de sua bioestrutura e/ou por um manejo incorreto. É interessante notar que nas matas ou nos campos naturais (o que restam deles), não há perda de solos, mesmo após os mais violentos temporais. As águas dos rios de floresta são sempre límpidas.
O discurso em favor da monocultura da cana-de-açúcar se embasa na criação de novos empregos (diretos e indiretos), maiores salários, bem-estar para as famílias pobres (leia-se miseráveis), além de gerar divisas para o país e propiciar a produção do álcool, como forma de energia limpa e barata (?).
Ora, o que a mídia tem destacado ao longo dos anos é exatamente o contrário. Páginas inteiras de jornais, matérias inteiras no rádio e na TV, têm vinculado as práticas da monocultura da cana à exploração da mão-de-obra infantil, a torturas e prostituição infantil nos canaviais, a trabalhos escravos e semi-escravos e, até à morte de trabalhadores rurais ligados a esta atividade. Recentemente, a Rede Globo de Televisão exibiu no “Fantástico” (horário nobre), uma série de reportagens onde mostrava estes aspectos em várias regiões do país. Destacou entrevistas com usineiros da Região Sudeste, os quais se vangloriavam que os cortadores de cana do Sudeste conseguiam um salário de até R$800, 00, enquanto no Nordeste ganhavam metade deste valor. Só que estes senhores se “esqueceram” de dizer que para ganhar este salário, cada trabalhador tem que cumprir uma jornada de trabalho de até 12 (doze) horas por dia, cerca de 15 Toneladas de cana cortada/trabalhador/dia, sem direito a descanso semanal. A TV Globo mostrou vários casos de trabalhadores (cortadores de cana) que morreram por fadiga e/ou por estafa objetivando perseguir este “exorbitante” salário.
Quanto à forma de energia limpa, deve-se questionar: quantas toneladas de agrotóxicos são despejadas nos canaviais? Quantas centenas de milhares de hectares de cerrado e quantos milhões de toneladas de biomassa são destruídas para produzir esta “energia limpa”? Quantas espécies de plantas e animais são extintos com este tipo de monocultura? E a energia barata, onde está? Com certeza, vai para garantir os lucros, cada vez mais exorbitantes, dos usineiros. E sobre estes (os usineiros), o que se pode dizer? São as mesmas famílias, gerações advindas da centenária oligarquia rural nordestina. São os mesmos que até os dias atuais mantêm seus currais eleitorais, por intermédio da famigerada “indústria da seca”. São os mesmos ligados às atividades do garimpo clandestino, os mesmos que, ainda mantêm vivos os resquícios do feudalismo no país, os mesmos ligados à “grilagem” de terras no Norte e Centro Oeste do Brasil, ligados a assassinatos de centenas de trabalhadores rurais e dezenas de suas lideranças. São a estes fatos e a esses “senhores de escravos” (hoje escravidão dissimulada e legalizada), que se liga a monocultura da cana-de-açúcar no país.
No Triângulo Mineiro, em particular, esta prática se propaga como rastilho de pólvora. Quando se passa nas rodovias da meso-região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, já não se vê mais o cerrado, pelo contrário, se vêem centenas de milhares de hectares do extinto cerrado, ocupado pelo plantio da cana. A monocultura que se alastrou, nos dias atuais, através da soja, agora começa a perder espaço para a cana-de-açúcar.
Os pequenos produtores rurais, não conseguindo acompanhar a tecnologia agroindustrial que invade o campo e/ou não conseguindo arcar com os preços impostos pelos oligopólios de insumos e equipamentos agrícolas, se vêem obrigados a arrendar suas terras (por 30, 40 ou 50 anos) para os usineiros. Estes despejam milhares de toneladas de agrotóxicos e insumos para aumentarem a produção e, ao cabo de, aproximadamente, 30 anos tornam as terras estéreis. Aí, devolvem-nas para os pequenos produtores. Arrendam terras produtivas e devolvem “pedaços de deserto”. Toda essa prática tem sido feita, sem nenhum Estudo de Impactos Sócio-Ambientais.
A monocultura da cana tem extinguido espécies endêmicas (da fauna: diversas espécies animais, desde mamíferos, répteis, aves até roedores e flora: árvores frutíferas, flores e espécies de madeiras) do cerrado, exterminando, assim, as atividades das famílias coletoras e das que viviam da agricultura de subsistência. Tudo para dar lugar à especulação da monocultura, para atender as demandas dos países chamados de “primeiro mundo”. Em nome desta monocultura os grandes conglomerados sucro-alcooleiros se sentem no direito de remover a vegetação nativa do bioma cerrado, destruir nascentes dos rios e riachos, além de destruir as matas ciliares, que protegem as margens dos mananciais. No município de Delta (Triângulo Mineiro – MG), e até mesmo em Uberaba (MG), existem plantações de cana-de-açúcar a cinco metros das margens do Rio Grande, um dos principais rios do país.
A prática da monocultura da cana, como já foi comprovada, causa a perda de água do solo, modifica sua textura e porosidade, ocasionando a formação de solos estéreis, ressecados, em vias de desertificação. Nesta última década, em particular, a monocultura da cana-de-açúcar já, quase que triplicou sua produção, no entanto, o consumidor da chamada “energia limpa” em nada foi beneficiado, basta verificar os preços do álcool nos postos de combustíveis. Quanto ao açúcar, basta olhar o preço do produto nas prateleiras dos supermercados.
A prática desta monocultura visa, em primeira instância, atender aos anseios e ganâncias dos usineiros e, em segunda instância os interesses dos fabricantes e das montadoras de automóveis. O Brasil continua com a mesma visão de quase quinhentos anos atrás, no que se refere á produção agrícola. O país vive de especulações sobre os tipos de monoculturas que atendem aos anseios do mercado internacional, principalmente os EUA, a Europa e Ásia, não importando com a demanda de seu mercado interno, nem com os interesses da maioria de seu povo, que fica à mercê dos preços impostos pelas grandes empresas agroindustriais multi/transnacionais.
Ironicamente, a mídia fala de responsabilidade sócio-ambiental, de educação ambiental e de proteção do Planeta, quando as ações dos governantes, empresários e instituições oficiais, primam pela defesa das monoculturas e da desertificação de grandes extensões de nosso território. É preciso aqui, rediscutir os conceitos de educação e de natureza, é preciso discutir, urgentemente a dimensão Ambiental da Educação.
A Educação (Ambiental) deve ser capaz de romper a camisa de força que a mantém aprisionada a velhos e falsos conceitos, que em última instância visam às reformas dentro dos marcos do capital. Hoje, existe uma gama de organismos oficiais, ONG’s, ambientalistas, ecologistas e correntes pedagógicas que se reivindicam do debate ambiental. Os “especialistas” do complexo campo de investigação das temáticas ambientais repetem, por caminhos diferentes, os mesmos discursos. Pensar na degradação ambiental de forma coerente e séria, é pensar na complexidade ambiental, é descartar os discursos superficiais do “politicamente correto”, da “preservação da ararinha azul, do mico leão dourado ou do boto cor de rosa”, do “ecologicamente correto” do “tomar consciência de”, pelo contrário, é assumir a (re)flexão epistemológica sobre a relação natureza-sociedade, é levar às últimas conseqüências este debate. A problemática ambiental é uma questão política, e, como tal deve ser tratada. Tratar das temáticas ambientais é rediscutir os verdadeiros significados de democracia, cidadania, de (des)envolvimento. Não se pode exigir daqueles colocados à margem da utilização dos recursos naturais, a aceitação de padrões preestabelecidos por aqueles que se utilizam, a seu bel prazer, dos recursos da natureza, como forma de mercantilizá-la, colocando-a a serviço da reprodução irracional do capital e, gerando o bem estar social para uma pequena parcela da população mundial.
Neste sentido, o Brasil têm uma enorme responsabilidade, justamente por sua extensão territorial (dimensão continental). É necessário inverter a lógica de sua produção agrícola, o país deveria desenvolver a rotação de culturas, diversificação de espécies cultivadas, plantio direto, agricultura orgânica, enfim, saber conservar o patrimônio genético natural com o qual a natureza, sabiamente, privilegiou o país. Do contrário, dentro de pouco tempo o verde do continente Sul Americano, perderá seu esplendor e dará lugar ao marrom/ocre que caracteriza as regiões desertificadas.
Por fim, é necessário envolver a sociedade, as comunidades acadêmico-científicas, a sociedade civil organizada, enfim, os vários setores representativos da população brasileira, num sério debate, onde se coloque no centro das discussões a problemática da prática das monoculturas, visando buscar formas alternativas de uso e manejo corretos do solo e dos demais recursos naturais, não perdendo de vista as necessidades da população brasileira, bem como a busca de novas formas alternativas no trato das relações sociedade-natureza.
REFERÊNCIA
GRAZIANO NETO, F. Questão Agrária e Ecologia: crítica da moderna agricultura. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. Cap. II, p.93-134.

Nenhum comentário:

Postar um comentário