Prof. Dr. Valter Machado
da Fonseca
INTRODUÇÃO
Vive-se um momento de crise
profunda da ciência e das técnicas, fruto da grande crise paradigmática que
permeia os tempos modernos. No interior da crise da modernidade, a Geografia
debate sua própria crise.
O aumento da velocidade da
informação, dos transportes, das telecomunicações e da rede mundial de
computadores “diminui” as distâncias entre os povos. A relação espaço/tempo
configura-se de acordo com a lógica da velocidade. Estes são aspectos que
caracterizam os tempos modernos, que marcam a “derrubada” das fronteiras
econômicas entre os diversos povos. A “sociedade global”, por meio da
tecnologia de última geração descortina também a crise, sem precedentes, que
marca os tempos modernos. Estes são alguns aspectos que se pretende levantar
para o entendimento do lugar da escola e da Geografia no atual modelo de
desenvolvimento econômico.
Trata-se de uma sociedade chamada
de “altamente informatizada”, mas que, no fim das contas, desinforma, que no
fim das contas atomiza as pessoas como partículas insignificantes dentro do
colossal universo da degradação ambiental e da degradação econômica, política e
cultural do ser humano. Trata-se de uma sociedade que coloca o homem na luta
contra sua própria espécie e, em última instância o coloca na luta pela
derrocada de todo o sistema planetário, para, enfim glorificar e fazer triunfar
a mais valia como mola mestra do modo de produção capitalista.
É dentro deste contexto que se
situa a sociedade da modernidade. É neste contexto, onde o homem coisificado e
atomizado luta, desesperadamente, em busca de um novo paradigma, o qual resgate
a sua dignidade e dê a ele nova significação e uma razão real para sua existência.
É, ainda, neste contexto que se digladiam a forças oriundas do
racionalismo/positivismo e as forças oriundas da gestação de um novo paradigma
que resignifique a existência humana.
A falsa justificativa do atual
modelo de desenvolvimento cria um imenso abismo que separa a concentração da
riqueza material no hemisfério norte da concentração da pobreza no hemisfério
sul. Tal justificativa, em nome do progresso técnico e científico, na chamada
sociedade globalizada aniquila a cultura, as etnias, os costumes e as tradições
dos povos, criando, assim, um conjunto de populações totalmente desprovidas de
identidade cultural.
O epicentro da chamada “sociedade
Global” localiza-se exatamente sobre a necessidade urgente da expansão e
reprodução do capital e, para isso não se medem esforços, nem consequências.
Observa-se a brutalidade da expansão e reprodução do capital através da fome e
da miséria absolutas que se espalham por todo o planeta. No mundo todo são
milhões e milhões de desempregados e famintos, um exército de zumbis que
compõem a reserva de mão de obra barata e descartável a serviço do capital.
A globalização econômica se
caracteriza pela produção urbano/industrial, pela mobilização do capital
especulativo, volátil, que gira o planeta em busca de mão de obra barata e de
condições propícias para sua reprodução e, sobretudo, pelas inovações
decorrentes da Terceira Revolução Tecnológica, tais como: o aumento da
velocidade do sistema de informações, por meio dos avanços das
telecomunicações, dos transportes e da rede mundial de computadores (Internet)
via desenvolvimento espetacular da informática.
Além disso, é fundamental ressaltar o avanço extraordinário da
biotecnologia, devido ao desenvolvimento das pesquisas no campo da engenharia
genética e à expansão do capital em direção ao campo, o que se dá por
intermédio dos grandes conglomerados internacionais e transnacionais.
De fato, se por um lado a
globalização econômica esconde-se por detrás de um discurso inovador, por outro
ela aprofunda as contradições do modo de produção capitalista. Essas
contradições expressam-se através do desemprego, da violência urbana, da fome,
da miséria, do analfabetismo, das doenças e das condições subumanas da maioria
da população do planeta. Então, a quem serve a globalização econômica? Em que
ela favorece a grande maioria da população mundial? Para onde vão as riquezas
produzidas pela expansão e reprodução do capital? Essas indagações só podem
levar a uma única conclusão: a armadilha do discurso da inovação tecnológica e
científica expressa na globalização, tenta em vão esconder a outra face da
moeda, ou seja, a crise civilizacional, ocidental ou da modernidade.
1 – A QUEM SERVE A CIÊNCIA, AFINAL?
Os centros de pesquisas, a
academia e a produção do conhecimento científico estão tão distantes dos
problemas e da realidade do cotidiano das populações como o sol está distante
da terra. Eis aí o epicentro da discussão sobre os grandes problemas que
assolam a humanidade nos tempos modernos. Para que e a quem serve a ciência
afinal? A escola e a academia voltam a reafirmar, com grande ênfase, sua
tendência a legitimar os interesses dos detentores do poder político e
econômico e, assim, reproduz o discurso homogeneizador de uma escola
igualitária, sem arestas e que desconsidera o grande abismo da desigualdade
social, os preconceitos e as diferenças entre os educandos. Este modelo de
educação visa manter a escola como mercadoria para atender às demandas do
mercado consumidor capitalista. Neste contexto, os alunos não passam de meros
reprodutores do discurso dominante, o que aumenta, ainda mais, a distância
entre a escola e a população. Os educadores/educandos seguem a receita
positivista da coisificação do homem e da natureza diante da lógica nefasta do
modelo capitalista de desenvolvimento.
Desta forma, é preciso analisar a
produção do conhecimento científico pontuando os elementos que podem fazer sua
aproximação com o cotidiano das populações. Esta prática requer do educador (a)
uma nova forma de enxergar a ciência e uma nova postura diante dela. Isto
significa dizer que os educadores (as) devem se permitir e se dignar a descer
de seu palanque para dialogar com seus educandos. É preciso construir a relação
dialógica educador/educando/sociedade.
Os idealizadores do pensamento
neoliberal (que nada mais é que o velho liberalismo de roupa nova) caracterizam
a produção do conhecimento científico, a academia, a escola como desprovidos de
ideologia, neutros, uma ciência isenta de intenções. Esse discurso tem por
objetivo legitimar a exploração capitalista e direcionar a produção do
conhecimento para atender os desejos e anseios das elites dominantes.
Para se
compreender a essência da produção do conhecimento e o desenvolvimento das
ciências, é preciso, antes de tudo, analisar o discurso que permeia a
construção do conhecimento, o jogo de interesses, as situações conflitivas, as
contradições e as disputas embutidas nesta construção. É preciso desconstruir a
falácia da isenção ideológica, com que tentam encobrir o desenvolvimento das
Técnicas e das Ciências.
Para
contextualizar o debate, em primeiro lugar é preciso voltar a algumas
indagações, de maneira que se possa iniciar a discussão, exatamente, pelo
princípio: O que é o conhecimento? Por quem ele foi produzido? Para que ele foi
produzido? O que ele trouxe de benefício para a humanidade? O conhecimento
significa progresso ou retrocesso?
Em
primeiro lugar é preciso tentar desmistificar a construção do conhecimento, é
preciso desconstruir o discurso positivista, que isenta sua produção de
qualquer intenção, de quaisquer interesses. Não, o conhecimento é impregnado de
intenções, carregado de conflitos, de interesses, de ideologias. Sua produção
e/ou reprodução reflete as tendências, interesses, ideologias presentes em cada
período da história das “civilizações”. Desta maneira, é preciso despir a
produção do conhecimento, das técnicas e das ciências de toda a hipocrisia que
permeia o discurso dominante de isenção em nome de métodos e critérios
científicos.
Em segundo
lugar, é preciso identificar o conhecimento como algo criado, produzido e
reproduzido durante milhares de anos e, como fruto da produção humana é
passível de erros, equívocos e acertos. Como fruto da produção humana não são
eternos, acabados, definitivos e, portanto, não podem se constituir em verdades
absolutas. O conhecimento é, pois, algo construído segundo as experiências e
anseios humanos e, desta forma encharcado de intenções, algumas delas as piores
possíveis.
O
conhecimento considerado válido é aquele que serve para legitimar a lógica do
chamado “progresso”, arduamente defendido pelas elites, em cada período da
história da humanidade. Desta forma, o conhecimento produzido pela maioria das
populações é considerado inválido, inútil, descartável, contrário às ideias de
progresso consagrada através dos tempos pelos dominantes.
A ideia de
progresso aparece aí acompanhada do discurso de isenção da ciência e das
técnicas, as quais são colocadas em benefício da humanidade. Mas, a qual
humanidade esse discurso se refere? Certamente, esta humanidade é representada
pelos tecnocratas que ditam o seu destino, os mesmos que, através dos processos
de reprodução do capital, alijam do processo produtivo milhões e milhões de
homens e mulheres, os mesmos que aniquilam a cultura, as tradições, as
expressões artísticas e os costumes dos povos. Enfim, os mesmos que levam à
miséria continentes inteiros, e espalham o terror por meio da fome. Este é o
“progresso” da modernidade. E é para garantir esse “progresso” que o
conhecimento é produzido, é para garantir esse progresso que se prega uma
ciência isenta de intenções, que seja capaz de garantir o bem estar da
humanidade. Esta é a base do racionalismo que sustenta a sociedade capitalista
da modernidade.
Hoje, além
do discurso da neutralidade científica, a superestrutura econômica da
modernidade apropria-se do discurso dos dominados, de suas reivindicações
históricas para justificar a exploração inesgotável daqueles que produzem a
riqueza material que mantém viva esta exploração. Esta apropriação vem na
fórmula de uma educação igualitária, sem arestas, com igualdade de
oportunidades, desconsiderando o grande abismo da desigualdade social,
considerando supostamente iguais os diferentes.
E, nesta
direção grande parcela da comunidade científica perpetua o discurso positivista,
falando em nome da racionalidade do racionalismo. A defesa da pretensa
neutralidade científica acaba por solidificar, cada dia mais, os alicerces da
“lógica” positivista, perpetuando, assim, a exploração do homem pelo próprio
homem. Para parcela significativa de cientistas, tudo que foge à explicação
“lógica” das ciências naturais e de seus métodos e critérios, não serve para
nada, pois, passa por fora do “discurso”[1]
da ciência, tudo precisa ser explicado segundo enunciados, leis e teorias
lógicas, portanto, a subjetividade humana e suas necessidades não possuem
validade científica.
Então, a
ciência nos dias atuais se confronta com dois modelos diferenciados: há os que
defendem a neutralidade da produção do conhecimento científico, e que no fim
das contas fazem o discurso da manutenção do status quo, ou seja da
continuidade do modelo positivista e, há os que se rebelam contra esta ordem
estabelecida, procurando formular novas questões e responder antigas
indagações, tendo como objetivo a construção de um novo paradigma, por meio da
ruptura com a irracionalidade do racionalismo.
2 - A CRISE DA
GEOGRAFIA NO INTERIOR DA CRISE DA MODERNIDADE
Os tempos
modernos descortinam a grande crise civilizacional: a crise de projetos de
homem e de natureza. E, no interior das crises civilizacional, das técnicas e das
ciências, também a Geografia debate sua própria crise. Trata-se de uma crise
que se agudiza, de forma cada vez mais evidente. A Geografia, a todo momento,
perde seu objeto de estudo, devido à sua crise interior, intestinal. Enquanto a
grande crise paradigmática dos tempos modernos exige soluções para sua
superação, a geografia se debate fragmentando seu próprio objeto de estudo, por
intermédio de discussões infrutíferas sobre dois possíveis campos de investigação:
a “Geografia Física” e a “Geografia humana”, as “duas Geografias”.
Os
investigadores do pensamento geográfico são incapazes de perceber, compreender
e apreender a ciência como um todo. São incapazes de associar a ação humana à
paisagem, ao relevo, à vegetação, ao solo, enfim acabam por considerar o homem
como sujeito passivo, sem uma perspectiva histórica e social. Acabam por negar
a capacidade humana de transformação, de ação sobre o ambiente, acabam por se
adptar à miopia ocular, ao perceber o homem como um ser estático, imutável,
incapaz de interagir com o ambiente em que vive, uma paisagem morta. Nesta
perspectiva a ciência geográfica perde o sentido, sua razão de ser.
Isto, sem
considerar aquela parcela de “estudiosos” que acaba sucumbindo perante o
discurso liberal-conservador e, dessa forma, passam a reproduzir tais
discursos, mercantilizando o saber geográfico, colocando-o a serviço da
expansão e reprodução do capital. As fragmentações do campo da geogafia
sucumbem uma a uma diante da irracionalidade do desenvolvimento do atual modelo
econômico que rege a sociedade moderna. As relações de trabalho no campo, o
braço estendido do capital sobre o espaço agrário, acabam com a dicotomia
cidade-campo, deixando desorientados os estudiosos da chamada Geografia
Agrária. Do mesmo modo, a globalização econômica dizima a cultura os costumes
as tradições dos povos, por meio do etnocentrismo, desnorteando também os
estudiosos da denominada Geografia Cultural. Um a um os vários fragmentos
desconexos do campo da Geografia tombam como peças de dominó, diante da lógica
nefasta da reprodução e expansão do capital. Aí colocam-se as perguntas: Quais
os objetos de estudo da Geografia? Como fica a reorientação do pensamento
geográfico diante da nova relação espaço/tempo? Como a Geografia percebe a ação
antrópica no ambiente? Como deve se posicionar a Geografia, diante da crise de
paradigma da modernidade? Como aproximar a Geografia do cotidiano das
populações? Qual a reflexão epistemológica da Geografia diante da relação
sociedade/natureza nos dias de hoje?
É
necessário procurar, urgentemente, as resposta a essas indagações. E, para
isso, a Geografia precisa assumir nova postura diante dos graves problemas que
assolam a humanidade. Ela precisa assumir nova postura diante do cotidiano da
sala de aula, aproximando, concretamente, a academia dos problemas reais de
educadores (as) e educandos (as). É preciso construir uma nova Geografia, não
fragmentada, solidária, transformadora, militante, uma geografia que saia “de
cima do muro”, que assuma uma postura de rebeldia perante a ordem econômica
estabelecida.
A denominada “Geografia Crítica”
deu importantes passos no sentido de superação teórica dos velhos métodos e
concepções estabelecidos pela Geografia Tradicional. Porém, estes avanços
ficaram quase que somente na teoria ou nos debates de congressos e acadêmicos,
não obtiveram repercussão no trabalho didático em sala de aula. Por que eles
não se traduziram em resultados práticos na sala de aula? Por que não se
observa a construção de reflexões críticas ou de mudanças comportamentais dos
educandos (as) do Ensino Fundamental e Médio? Estas perguntas precisam ser
respondidas não pelos educandos (as), mas pelos pesquisadores (as) e educadores
(as).
3 - A REFORMA EDUCACIONAL E O ENSINO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA
A tão propalada Reforma
Educacional faz parte de um pacote de reformas que orienta dos planos neoliberais.
O eixo central desses planos consiste na denominada política do Estado Mínimo,
isto é, os diversos Estados Nacionais, embasados num discurso de contenção de
gastos e ou “Enxugamento da máquina do Estado”, repassam para a iniciativa
privada setores que antes eram de sua responsabilidade. Assistiu-se, com mais
evidência, a execução destes planos nos dois mandatos FHC e que têm
continuidade agora no governo Lula da Silva.
Como exemplos destacam as
privatizações no sistema financeiro estatal (privatização de vários bancos dos
diversos Estados da Federação), nas empresas estatais (Vale do Rio Doce,
Usiminas, Telebrás, a Petrobras, que vem sendo vendida em pequenas fatias,
dentre várias outras). Este sucateamento do patrimônio do povo brasileiro
atingiu, em cheio, os setores da saúde e da educação.
A ideologia neoliberal propôs e
executou cortes drásticos na educação, congelando os salários dos professores,
por anos a fio, além de diminuir, significativamente os recursos dedicados a
ela. Assim, com um discurso em nome da qualidade do ensino, a reforma
educacional vem privatizando e sucateando o ensino, entregando centros de
pesquisas importantes para a iniciativa privada, principalmente para os grandes
grupos transnacionais. A pesquisa científica perde, de uma vez por todas, seu
papel de produzir tecnologias voltadas para o bem-estar da humanidade, em
detrimento dos interesses da iniciativa privada.
O ensino de Geografia e História
vem sendo atingido em cheio, com a diminuição das verbas para pesquisas, baixo
salários dos professores, inexistência de equipamentos e recursos para
laboratórios, falta de apoio para trabalhos de campo. Outra questão totalmente
esquecida é um programa sério de formação continuada de professores, os quais,
sem a devida formação, têm que trabalhar conforme as novas propostas da
legislação ambiental, como os Parâmetros Curriculares Nacionais. Então, apesar
dos debates acadêmicos. Os professores que militam na educação de base têm que
se contentar com os velhos e arcaicos métodos tradicionais de ensino e o mesmo
livro didático. A prática do ensino de Geografia tem que repensada no âmbito de
toda a comunidade escolar, cavando uma trincheira no interior da escola, de
resistência ao projeto neoliberal. A luta é para que a ciência avance de uma
tecnocracia que domina o homem, para uma tecnologia a serviço da
humanidade.
[1] Grifo do
autor: aqui quer se destacar a ideologia contida e oculta na suposta
neutralidade do método científico.
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