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domingo, 2 de março de 2014

O que são Impactos socioambientais, afinal?

Impactos socioambientais urbanos                                                     Fonte: Valter Machado da Fonseca (2012)
Prof. Dr. Valter Machado da Fonseca
Quando falamos de “impactos”, estamos nos referindo a desequilíbrios, a alterações naturais e/ou promovidas pelo ser humano em determinado ambiente. Acerca deste assunto, abro uma profunda discordância sobre o termo “degradação”, muito utilizado nos estudos socioambientais nos dias atuais. O termo degradação puxa para si a ideia de “irreversibilidade”, de “não retorno” às condições originais, o que para mim não se constitui numa verdade.
Explicando melhor a polêmica
Para elucidar de forma mais detalhada esta questão, talvez seja importante nos valermos de um exemplo prático: quando desenvolvemos uma determinada atividade agrícola (uma plantação de uma mesma espécie vegetal) por anos a fio em uma mesma área, mesmo com o uso intensivo de insumos, a tendência natural é que este solo fique cansado, com a consequente diminuição de sua quantidade e qualidade de seus nutrientes, o que incide, diretamente, para a queda de sua produção agrícola.
Porém, se deixarmos de lado esta atividade nesta área (por 20 anos, por exemplo), nos esquecermos desta área, abandoná-la sem desenvolver ali quaisquer atividades, observaremos que, ao término deste período, a área estará quase totalmente revegetada com espécies naturais no próprio bioma. É o que os mateiros e pequenos agricultores costumam se referir que “o mato tomou conta”. Isto nada mais é do que a natureza retomando seus domínios, redemarcando seu território, redistribuindo sua vegetação original. Isto é uma prova cabal de que a degradação (que traz consigo a irreversibilidade) não se aplica e, que o termo desequilíbrio é mais apropriado para as áreas impactadas pelas atividades humanas.
Trocando em miúdos!
É notória a centralidade e essencialidade de energia para o funcionamento de quaisquer ecossistemas, sejam eles antropizados ou naturais. A natureza, sábia por excelência, tratou de distribuir as espécies de seres vivos (animais e vegetais) em diversas regiões do planeta, seguindo um processo referenciado na demanda e produção de energia.
Podemos verificar que nas regiões que recebem maior quantidade de energia solar, também a biodiversidade é mais diversificada e, consequentemente, mais complexa. Numa hileia tropical, como a nossa Floresta Amazônica, por exemplo, podemos verificar a existência de bilhões de espécies de microrganismos distribuídos no solo, no ar, e em materiais em decomposição, centenas de milhares de insetos, centenas de espécies de roedores, milhares de tipos de peixes, centenas de variedades de mamíferos e também milhares de espécies de aves, espalhados em vastíssimas áreas recobertas por dezenas de milhares de espécies de árvores diferentes, entrelaçadas por espécies de menor porte e cipós. Estima-se que nesta floresta tropical esteja presente 30% de todas as sequências de DNA, que a natureza combinou em todo o planeta. (Conservation International, 2003)
Esses dados nos mostram a grande quantidade de energia que é consumida para manter em funcionamento toda a complexidade desta gama gigantesca de biodiversidade. Só que em ecossistemas naturais, existe certo equilíbrio entre a quantidade de energia que entra e a quantidade que sai do ecossistema. Prova disso, é que em ecossistemas que recebem menor quantidade de energia, a exemplo das regiões frias e temperadas do planeta, a tendência é que a vegetação vai se homogeneizando, como ocorre, por exemplo, com as florestas de coníferas, localizadas especialmente no Canadá e no norte dos EUA. Quanto mais homogêneo é um ecossistema, menor quantidade de energia ele gasta.
Neste sentido, os estudos de Dias (2002) sobre demanda e consumo de energia nos auxiliam no entendimento da importância da energia nos ecossistemas naturais e antropizados:

Os sistemas naturais obedecem a leis termodinâmicas implacáveis. São elas que estabelecem, por retroalimentação, os diferentes mecanismos de auto-ajustamentos responsáveis pelo funcionamento dos ecossistemas. À medida que aumentam o tamanho e a complexidade de um sistema, o custo energético de manutenção tende a aumentar proporcionalmente a uma taxa maior. Ao se dobrar o tamanho de um sistema, torna-se geralmente necessário mais que o dobro da quantidade de energia, a qual deve ser desviada para se reduzir o aumento da entropia, associado à manutenção da maior complexidade estrutural e funcional. (DIAS, 2002, p.43)      

Então, os ecossistemas são controlados pela entrada e saída de energia. Quando são submetidos à ação antropogênica há um deslocamento do equilíbrio energético no interior destes ecossistemas, interferindo-se, assim, em sua dinâmica de funcionamento interno. Então, temos que perseguir um modelo ou modelos que menos interfiram na dinâmica energética natural dos ecossistemas.
Importante!
Então, a intensidade dos impactos ambientais em determinada área é diretamente proporcional à quantidade e intensidade de atividades humanas na referida área. Quanto maior e mais intensas forem as atividades humanas em determinado local, maior será o desequilíbrio energético neste local.
Então, como ficam os impactos nos centros urbanos? 
Nos centros urbanos, diferentemente dos ecossistemas naturais, o nível de impactos é extremamente mais elevado, em virtude da maior quantidade e intensidade das atividades humanas, localizadas em áreas onde se concentram atividades domésticas, industriais, comerciais, de lazer, transporte, dentre outros serviços.
Segundo Fonseca (2009), podemos dizer que os ecossistemas urbanos e, particularmente, as cidades são a síntese da ação humana sobre a natureza. São áreas denominadas de “espaços de natureza ausente”, justamente porque no espaço urbano a natureza foi substituída pelo sintético, pelo artificial. Ele continua sua argumentação:

A cidade nada mais é que o trabalho humano materializado, cristalizado ao longo do processo histórico e social da humanidade. A cidade, investigada, simplesmente em seus aspectos materiais, em sua estrutura física, desnudada, fria e sem vida não passa de um símbolo oco, opaco, vazio, sem significação. Desta forma, o urbano emerge para significação da cidade, enquanto palco dos conflitos, contradições, construção de representações significativas da razão de ser da subjetividade humana, dando a ela o conteúdo necessário à construção de sua essência. O urbano emerge, então, como característica das atividades humanas, das relações históricas e sociais do sujeito (re)significando, construindo a razão de ser das cidades. Aí, os contraditórios do subjetivo humano e de sua relação com a natureza fluem entre os tijolos, concreto, armações metálicas, ruas e avenidas, praças, pontes e viadutos, isto é, percorrendo-a em todos os seus interstícios e labirintos. A atividade humana localizada e enquadrada numa porção da natureza, modificada pelo próprio homem, configura o espaço urbano. Portanto, o espaço urbano nada mais é que a cidade somada à atividade humana e que se (re)orienta e se reproduz num movimento contraditório e contínuo em cada período histórico da sociedade, orientado pelos aspectos históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais que caracterizam a história da humanidade em cada período, e, cuja configuração atinge seu ápice aprofundando sua crise na sociedade capitalista da modernidade. (FONSECA, 2009, p.48-49)

No mesmo sentido, Lefebvre (1991, p.67) completa a citação de Fonseca (2007):

Você está no mundo das imagens. É um mundo sem substância, que nega toda substância, toda particularidade. Os teóricos o admiram e teorizam porque formal, por isso ele é tão pobre em formas! Este mundo parodia a diferença, simulando-a, tomando-se por ele. [...] os signos da natureza deve-se recriar, reproduzir. O vazio se povoa de signos. Bibelots, plantas, objetos kitch, matérias brutas ou trabalhadas, substituem a natureza ausente, significando a naturalidade, evocando durante sua destruição, reduzindo inútil (aparentemente) sua reconstrução.

Então, o ambiente urbano na sua totalidade é construído da soma das atividades humanas localizadas numa porção de “natureza ausente”, a cidade. Então podemos verificar que este espaço é um emaranhado de construções físicas e simbólicas, resultante da ação secular do homem sobre a natureza. Mas, na sociedade do capital, a cultura, o conhecimento e as experiências produzidas no espaço urbano são, sistematicamente, transformados em mercadoria.
A cidade não passa de uma porção coisificada do espaço, onde toda construção física e intelectual são moldadas pela racionalidade técnica a serviço da plena expansão e reprodução do capital.  A figura 01 a seguir, é um esquema representativo de um sistema urbano, onde ocorrem a entrada e saída de diversos elementos, grande parte deles é provocada pela ação humana, o que sobrecarrega e desestabiliza energeticamente o ecossistema.  
Parada para reflexão!
Então, é interessante fechar este tópico com uma reflexão: Embora os ecossistemas possam ser impactados por fenômenos e causas naturais, a maioria dos impactos sobre eles são decorrentes das atividades laborativas humanas, numa sociedade marcada pelo aumento substancial de intervenções humanas sobre os recursos naturais (finitos), visando à produção de mercadorias para o atendimento do mercado consumidor. Imaginem a quantidade de atividades humanas estão ocorrendo neste momento em metrópoles como São Paulo, Cidade do México, Nova Iorque, Tóquio, Pequim, dentre outras. Imaginem o nível de desequilíbrio energético em centros urbanos deste porte. Depois de realizar esta reflexão, tente elaborar um pequeno texto pontuando as principais atividades industriais, econômicas e sociais localizadas nestas áreas altamente urbanizadas.
Referências
DIAS, G. F. Pegada ecológica e sustentabilidade humana. São Paulo: Gaia, 2002.
FONSECA, Valter Machado da. SINAL DE ALERTA: Amazônia, o bioma ameaçado. In: IV Fórum Ambiental da Alta Paulista, 21 a 24 de julho de 2009, Estância Turística de Tupã (SP), CD-ROM (Anais). ISSN: 1980-0827.
LEFEBVRE, H. A Vida Cotidiana no Mundo Moderno, Trad. Alcides João de Barros, São Paulo: Ática, 1991.

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