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Fonte: biscatesocialclub.com.br |
Prof.
Dr. Valter Machado da Fonseca*
Uma das
coisas que se viu nas manifestações, por sinal legítimas, do povo brasileiro
nas ruas pelas principais cidades do país é a questão do suposto “apartidarismo”,
destacado com veemência por diversos veículos dos meios de comunicação de
massa. Esta questão, em particular, me chamou a atenção e tem me preocupado
desde o momento em que ganhou relevância nos atos de protestos em todo o país. Diante
dessa questão, é preciso realizar uma reflexão e fazer algumas considerações,
pois se trata de algo extremamente perigoso para a democracia, em especial para
a jovem e inexperiente democracia brasileira.
Para analisar
esta situação real colocada por um amplo setor de manifestantes é preciso que
recorramos à história das lutas do movimento operário mundial. Fala-se de
movimentos “apartidários”, “não políticos” como forma de repudiar a inoperância
dos partidos políticos brasileiros, o que é altamente salutar. Mas, em primeiro
lugar faz-se necessário o entendimento do que é a política. A política é a
capacidade do ser humano de opinar, de fazer escolhas, de recusar, de criticar
e de se organizar livremente segundo suas próprias concepções e aspirações. Assim,
a política verdadeira constitui-se num dos pilares básicos sob os quais se
edificam quaisquer processos democráticos. Assim, as próprias manifestações são
atos extremamente políticos, o que também é justo e louvável. Por isso, negar a
política é repudiar a democracia legítima. É preciso separar a política,
inerente de todo ser humano da “politicagem”, a qual nada mais é do que o
desvirtuamento total da arte de fazer política. Nada mais é do se utilizar dos
direitos e da arte de fazer política em seu próprio benefício, em detrimento
dos interesses coletivos.
A política,
cujas bases se edificam sobre a liberdade de o ser humano se organizar
livremente segundo seus anseios e concepções, tem nos partidos políticos uma
das expressões legítimas de livre organização e expressão. Quando negamos o
direito de organização e expressão dos partidos políticos, estamos entrando em contrassenso
com os princípios democráticos que afirmamos defender e afirmando os princípios
de totalitarismo, o que somente pode levar a sistemas ditatoriais e
sanguinários, cuja história já comprovou do que são capazes de fazer. Diante destes
elementos levantados, o discurso falacioso do “apartidarismo” significa o
reforço da ideia do regime do “partido único”, dos ideais totalitários, das
ditaduras em todas suas formas e vertentes. Assim, empunhar a bandeira do “apartidarismo”
não fortalece em nada a democracia, como ingenuamente (ou não) pensam muitos. Muito
pelo contrário, planta-se a semente de um regime totalitário, que tolhe a
liberdade total dos povos.
A história
da humanidade já deu mostras suficientes dos resultados deste tipo de
pensamento. Vimos a ascensão dos maiores ditadores do mundo, a exemplo de Adolf
Hitler na Alemanha, Benito Mussolini na Itália, Salazar em Portugal, Franco na
Espanha, Idi Amin Dada (o Bug Daddy) em Uganda, e a era da ditadura Vargas no Brasil.
Todos esses regimes totalitários tinham a base de seus discursos edificados
inicialmente sob os argumentos do dito “apartidarismo” e que, posteriormente evoluíram
para o ideário do “partido único”.
Neste texto
não estou defendendo este ou aquele partido político. O que quero deixar claro,
é que num regime democrático, a defesa da livre organização partidária
constitui um dos pilares básicos da liberdade de organização e expressão.
Podemos e devemos legitimamente discordar e combater os princípios ideológicos
e as práticas hediondas de diversos partidos e agremiações políticas, mas
jamais podemos cerceá-los da participação política em manifestações e atos que
tenham como eixo a defesa dos princípios democráticos. Caso contrário,
estaremos plantando a semente do “totalitarismo”, terreno fértil para o florescimento
do racismo, xenofobia e o preconceito em todas as suas formas e matizes. Agindo
assim, estaremos transformando as manifestações legítimas do nosso povo, de
nossa juventude, em atos que futuramente edificarão o terreno para regimes fascistas,
neonazistas e totalitários, comandados pela extrema direita assassina e
sanguinária.
* Escritor. Geógrafo, Mestre e Doutor pela
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professor e pesquisador da
Universidade de Uberaba (UNIUBE). pesquisa.fonseca@gmail.com