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Fonte: The New York times (2013) |
Por NTV
Os motoristas que ficam atrás do carro de John
Cooley logo perdem a paciência. Dirigindo pelo leste dos Estados Unidos com as
janelas abertas, de vez em quando o pesquisador diminui a velocidade, para e
ouve com bastante atenção, registrando as informações em um computador preso ao
assento do passageiro. Cooley é biólogo evolucionário da Universidade de
Connecticut, em Storrs, e está na estrada mapeando as populações periódicas de
cigarras (do gênero Magicicada). As larvas desses insetos barulhentos e de
olhos vermelhos passaram os últimos 17 anos maturando e emergiram este mês aos
bilhões, para algumas semanas de cantoria e sexo antes de morrerem.
Assim como o punhado de outros pesquisadores de
cigarras entre a Carolina do Norte e Nova York, Cooley sabe que precisa
trabalhar com rapidez. 'O tempo é nosso inimigo por aqui, tanto para as
cigarras quanto para os pesquisadores', afirmou. 'Se perdermos essa
oportunidade, ficaremos sem informações e precisaremos esperar mais 17 anos.'
Com os mais longos ciclos de vida conhecidos, os
insetos do gênero Magicicada confundem os cientistas há séculos. Em 1665, o
primeiro volume da Philosophical Transactions of the Royal Society, uma das
revistas científicas mais antigas do mundo, incluía um relato da Nova
Inglaterra a respeito de 'enxames de insetos estranhos e dos estragos causados
por eles'. Charles Darwin também escreveu a respeito desses insetos e até os
dias de hoje os entomologistas tentam entender como esses ciclos de vida
peculiares evoluíram, como os insetos contam os anos e como sincronizam suas
agendas. 'Eles são um dos maiores mistérios ecológicos da atualidade', afirmou
Walt Koenig, ecologista comportamental do Laboratório de Ornitologia da Universidade
de Cornell, em Ithaca, Nova York. Eles também são uma raridade entomológica.
Das milhares de espécies de cigarras conhecidas no mundo todo, só existem sete
do gênero Magicicada que vivem no leste e centro dos Estados Unidos e evoluíram
ciclos de vida tão prolongados e sincronizados.
Na margem sul de seu território, as populações
de Magicicada se dividiram em três grupos de espécies mistas que emergem a cada
13 anos; já na região norte, há 12 grupos com ciclos de 17 anos. A ninhada
deste ano pertence ao Grupo II, um dos maiores grupos com ciclos de 17 anos e
que emerge em grandes áreas metropolitanas da costa leste.
Desde a última vez que foram para a superfície
em 1996, as cigarras do Grupo II passaram por cinco estágios larvais debaixo da
terra, onde sobreviveram se alimentando dos fluídos de raízes de árvores. Com
as temperaturas altas deste mês, as ninfas têm emergido para realizar a última
muda e ganhar asas. Com densidades populacionais de até 350 indivíduos por
metro quadrado nas florestas, o coro das cigarras pode ultrapassar os 95
decibéis – alto o bastante para machucar os ouvidos humanos – enquanto os
machos tentam atrair as fêmeas. Depois de cruzarem, as fêmeas fazem buracos nos
galhos de árvores, onde depositam os ovos. Após seis a dez semanas, quando os
ovos eclodirem, o chão estará forrado com os corpos de seus pais. A nova
geração de ninfas irá cair no chão, cavar buracos no solo e ficar ali até 2030.
Os biólogos geralmente concordam que o surgimento sincronizado e maciço de
cigarras periódicas acaba com as chances de possíveis predadores, permitindo
que ao menos alguns desses insetos relativamente indefesos se reproduzam. Além
disso, alguns pesquisadores sugerem que as cigarras evoluíram ciclos de vida em
torno de números primos, uma vez que isso limitaria a chance de que os
predadores entrassem em sincronia. Contudo, essas teorias não explicam por que
as gerações duram especificamente 13 ou 17 anos.
Koenig sugere que a resposta pode envolver
interações com pássaros. Ele e Andrew Liebhold, do Serviço de Florestas dos
Estados Unidos em Morgantown, West Virginia, analisaram 45 anos de dados da
Pesquisa de Reprodução de Pássaros da América do Norte e revelaram que as
populações costumam cair em torno dos anos nos quais as cigarras periódicas emergem.
Os pássaros se alimentam de cigarras, de forma que Koenig esperava ver um
padrão oposto. Ele sugere que as massas de cigarras causem mudanças de longo
prazo nas florestas, o que leva as populações de pássaros a caírem a cada 13 ou
17 anos. O mecanismo ainda é um mistério, mas Koenig destaca que um dos fatores
poderia ser o grande volume de cigarras mortas, cujos corpos são compostos por
10 por cento de nitrogênio. A hecatombe libera um fluxo de fertilizante no solo
da floresta, o que aumenta temporariamente o crescimento das plantas, mas pode
levar a condições menos favoráveis aos pássaros depois de um tempo. 'É uma
hipótese maluca', admite.
Para sincronizar a maturação, as ninfas devem
ter alguma forma de contabilizar o tempo que passaram debaixo da terra. Gene
Kritsky, entomologista do College of Mount St. Joseph, em Cincinnati, Ohio,
afirmou que as ninfas parecem contar o número de vezes que as árvores ganham
novas folhas na primavera; em 2007, algumas cigarras do Grupo XIV emergiram um
ano mais cedo, após um forte degelo, durante o qual as árvores produziram
folhas, perderam-nas novamente e voltaram a produzi-las na primavera seguinte.
Contudo, ninguém sabe ao certo como as cigarras se 'lembram' do número de anos
desde a última vez que emergiram.
Os pesquisadores estão fazendo mais progresso na
investigação dos mecanismos biológicos que permitem que as cigarras mudem os
ciclos de vida. Em uma análise de marcadores de DNA publicada este ano, uma
equipe da qual Cooley participou desenvolveu uma árvore evolucionária para o
gênero Magicicada e descobriu que os principais grupos se dividiram
repetidamente entre bandos com ciclos de vida de 13 ou 17 anos. Os
pesquisadores sugerem que essas divisões podem ser explicadas por um mecanismo
genético comum entre as espécies.
Chris Simon, uma das coautoras e bióloga
evolucionária da Universidade de Connecticut, planeja acompanhar os resultados
com diversos estudos genéticos, incluindo o sequenciamento das transcrições de
RNA de genes que são ativos em diferentes estágios do ciclo de vida da cigarra.
Simon está particularmente interessada em investigar a tendência ocasional de
algumas cigarras que emergem quatro anos mais cedo ou mais tarde. Essas
'retardatárias' são presas fáceis e quase nunca sobrevivem, mas Simon e outros
sugerem que são esses erros que podem ter dado origem a novos grupos no
passado. 'É uma forma de obter uma especiação instantânea', afirmou. 'Essa
capacidade de dar saltos temporais é algo que nunca foi observado em outros
organismos.'
Um exemplo dessa 'viagem no tempo' pode estar
ocorrendo agora mesmo no centro-norte de Cincinnati, a pelo menos 500
quilômetros de distância da área do Grupo II. Kritsky documentou o aparecimento
de milhares de cigarras na semana passada, em um local onde foram avistadas
cigarras em 2000, quatro anos antes de a cidade ser inundada pelas cigarras com
ciclos de 17 anos do Grupo X.
A chegada das cigarras no mesmo lugar este ano
pode indicar que uma mudança ambiental como o aquecimento global esteja levando
os insetos a emergirem mais cedo, ou então que um fator genético levou alguns
membros do Grupo X, de 17 anos, a mudarem para um ciclo de vida de 13 anos, de
acordo com Kritsky. O pesquisador precisa esperar mais quatro anos para saber
se algumas das cigarras de 2000 voltaram para o ciclo de 17 anos. Contudo, o
maior fluxo do Grupo X irá ocorrer em 2021. Até lá, Kritsky terá 68 anos de
idade. As longas gerações de cigarras periódicas dificultam o estudo, afirmou.
'Você pode pensar que temos muitas respostas, mas isso não é verdade.
Pouquíssimos pesquisadores puderam testemunhar cinco gerações.'
Fonte: The New York
Times (2013). Disponível em: http://nytsyn.br.msn.com/cienciaetecnologia/insetos-de-vida-longa-s%C3%A3o-mist%C3%A9rio-para-a-ci%C3%AAncia#page=0
Acesso em: 03/05/2013.
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