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Fonte: Ciência Hoje (2016) |
Prof.
Dr. Valter Machado da Fonseca*
Para se entender
a “escassez” ou migração hídrica da região Sudeste é necessário que
compreendamos o que é o bioma cerrado e como está se concretizando o seu processo
de extinção enquanto ecossistema natural, uma vez que nos localizamos no centro
do bioma.
Pois bem! O
cerrado, ou seja, suas principais fitofisionomias começaram a se encaixar
enquanto vegetações que se constituem como características essenciais do bioma
há cerca de 65 milhões de anos e vieram a se firmar como vegetações permanentes
do bioma há aproximadamente 45 milhões de anos. Na verdade, o cerrado começou a
se constituir enquanto bioma com propriedades e características particulares,
logo após o Cretáceo Superior, ou seja logo após a extinção das espécies
vegetais que marcaram a vida dos gigantescos répteis (dinossauros) que
habitaram o planeta neste importante período geológico.
Devido a estas
particularidades e características essenciais, as fitofisionomias que compõem o
bioma cerrado estão entre as espécies florísticas mais antigas do mundo e que
determinam a história recente do planeta Terra. Não são somente os aspectos
fitofisionômicos que constituem as particularidades do bioma, a eles se somam os
solos ácidos (ricos em alumínio), profundos, plainos e de boa drenagem. A isto
também se somam duas estações climáticas bem distribuídas (pelo menos até há
pouco tempo), uma seca e outra chuvosa.
Aliás, o clima
foi um aspecto preponderante para o processo de adaptação do bioma cerrado ao
longo do tempo geológico. O processo de perfeita adaptação do mosaico de
espécies vegetais que compõem o cerrado se deu por intermédio da longa
convivência com extremos climáticos, isto é, períodos extremamente secos e áridos
alternando com fases de intensos índices de precipitações pluviométricas
caracterizando intervalos geológicos extremamente chuvosos. O enfretamento e a
convivência com extremos climáticos levaram as espécies vegetais do cerrado a
uma alta especialização, o que permitiu o desenvolvimento de plantas preparadas
para o convívio com clima seco alternado com estações chuvosas.
As folhas
ásperas das plantas do cerrado garante às espécies vegetais a capacidade de
retenção de água o que as nutrirão em épocas de períodos de chuvas escassas. No
mesmo sentido, as raízes profundas de suas espécies vegetais lhe conferem a
propriedade de extração de água diretamente dos lençóis e reservatórios
subterrâneos possibilitando sua convivência com a estação seca. Do mesmo modo
que esta água é extraída dos reservatórios subterrâneos ela é lançada na
atmosfera por meio da evapotranspiração, garantindo a circulação de água que,
ao mesmo tempo em que mantém vivas as vegetações cerradeiras, também mantém
equilibrados os níveis dos aquíferos e lençóis subterrâneos. Os pacotes
tecnológicos justificados pela “Revolução Verde” nos anos 1960 e que perduram
até os dias atuais, inverteram toda a lógica do processo de funcionamento
natural do cerrado, afetando o regime de chuvas, o ciclo biogeoquímico e,
consequentemente, dando um golpe fatal nos principais reservatórios de água, os
quais deram ao bioma o status de grande caixa d’água da América do Sul.
A quebra do
equilíbrio natural do bioma cerrado veio na forma de alterações definitivas nas
propriedades dos solos, do relevo, e da vegetação do ecossistema. Neste
sentido, o cerrado entrou em sua fase derradeira de extinção definitiva (em
estágio de não retorno), o que consequentemente também coloca em extinção os
reservatórios superficiais e subterrâneos de água existentes no bioma.
*
Escritor. Geógrafo,
Pesquisador, mestre e doutor pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Pós-doutor em Educação do Campo e Agroecologia pela UFU. Professor do curso de
Engenharia Ambiental e do Programa de Mestrado Acadêmico em Educação da Universidade
de Uberaba. Membro e líder do grupo de pesquisas “Energia e Interações
Complexas nos Ecossistemas Terrestres (GEICET) – CNPq.
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