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domingo, 10 de janeiro de 2016

A superexploração do cerrado levou à extinção do bioma

Fonte: Ciência Hoje (2016)



Prof. Dr. Valter Machado da Fonseca*

Para se entender a “escassez” ou migração hídrica da região Sudeste é necessário que compreendamos o que é o bioma cerrado e como está se concretizando o seu processo de extinção enquanto ecossistema natural, uma vez que nos localizamos no centro do bioma.

Pois bem! O cerrado, ou seja, suas principais fitofisionomias começaram a se encaixar enquanto vegetações que se constituem como características essenciais do bioma há cerca de 65 milhões de anos e vieram a se firmar como vegetações permanentes do bioma há aproximadamente 45 milhões de anos. Na verdade, o cerrado começou a se constituir enquanto bioma com propriedades e características particulares, logo após o Cretáceo Superior, ou seja logo após a extinção das espécies vegetais que marcaram a vida dos gigantescos répteis (dinossauros) que habitaram o planeta neste importante período geológico.

Devido a estas particularidades e características essenciais, as fitofisionomias que compõem o bioma cerrado estão entre as espécies florísticas mais antigas do mundo e que determinam a história recente do planeta Terra. Não são somente os aspectos fitofisionômicos que constituem as particularidades do bioma, a eles se somam os solos ácidos (ricos em alumínio), profundos, plainos e de boa drenagem. A isto também se somam duas estações climáticas bem distribuídas (pelo menos até há pouco tempo), uma seca e outra chuvosa.

Aliás, o clima foi um aspecto preponderante para o processo de adaptação do bioma cerrado ao longo do tempo geológico. O processo de perfeita adaptação do mosaico de espécies vegetais que compõem o cerrado se deu por intermédio da longa convivência com extremos climáticos, isto é, períodos extremamente secos e áridos alternando com fases de intensos índices de precipitações pluviométricas caracterizando intervalos geológicos extremamente chuvosos. O enfretamento e a convivência com extremos climáticos levaram as espécies vegetais do cerrado a uma alta especialização, o que permitiu o desenvolvimento de plantas preparadas para o convívio com clima seco alternado com estações chuvosas.

As folhas ásperas das plantas do cerrado garante às espécies vegetais a capacidade de retenção de água o que as nutrirão em épocas de períodos de chuvas escassas. No mesmo sentido, as raízes profundas de suas espécies vegetais lhe conferem a propriedade de extração de água diretamente dos lençóis e reservatórios subterrâneos possibilitando sua convivência com a estação seca. Do mesmo modo que esta água é extraída dos reservatórios subterrâneos ela é lançada na atmosfera por meio da evapotranspiração, garantindo a circulação de água que, ao mesmo tempo em que mantém vivas as vegetações cerradeiras, também mantém equilibrados os níveis dos aquíferos e lençóis subterrâneos. Os pacotes tecnológicos justificados pela “Revolução Verde” nos anos 1960 e que perduram até os dias atuais, inverteram toda a lógica do processo de funcionamento natural do cerrado, afetando o regime de chuvas, o ciclo biogeoquímico e, consequentemente, dando um golpe fatal nos principais reservatórios de água, os quais deram ao bioma o status de grande caixa d’água da América do Sul.

A quebra do equilíbrio natural do bioma cerrado veio na forma de alterações definitivas nas propriedades dos solos, do relevo, e da vegetação do ecossistema. Neste sentido, o cerrado entrou em sua fase derradeira de extinção definitiva (em estágio de não retorno), o que consequentemente também coloca em extinção os reservatórios superficiais e subterrâneos de água existentes no bioma.            



* Escritor. Geógrafo, Pesquisador, mestre e doutor pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pós-doutor em Educação do Campo e Agroecologia pela UFU. Professor do curso de Engenharia Ambiental e do Programa de Mestrado Acadêmico em Educação da Universidade de Uberaba. Membro e líder do grupo de pesquisas “Energia e Interações Complexas nos Ecossistemas Terrestres (GEICET) – CNPq.

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