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Fonte: implantandomarketing (2016) |
Uma das possíveis variações de uma velha
história sobre a origem do assado é esta*:
Certa
vez, aconteceu um incêndio num bosque onde se encontravam alguns porcos e eles
foram assados pelo fogo. Os homens acostumados a comer carne crua,
experimentaram e acharam os porcos assados deliciosos. Logo, toda vez que
queriam comer porcos assados incendiavam um bosque.
Fazia
tempo que as coisas não iam bem; às vezes os animais ficavam queimados ou
parcialmente crus; outras vezes, de tal maneira queimados, que era impossível
utilizá-los. Como era um procedimento montado em grande escala, preocupava
muito a todos, porque se o SISTEMA
falhava, as perdas ocasionadas eram igualmente grandes. Milhões eram os que
tinham ocupação nesta tarefa. Mas, curiosamente, à medida que se fazia em
maiores escalas, mais parecia falhar e maiores perdas pareciam causar.
Em
razão das deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral a
necessidade de reformar profundamente o SISTEMA.
Tanto
assim, que todos os anos realizavam-se congressos, seminários, conferências e
jornadas para achar a solução, mas parece que não acertavam o melhoramento do
mecanismo, porque, no ano seguinte, repetiam-se os congressos, os seminários,
as conferências e as jornadas. E assim, sempre.
As
causas do fracasso do SISTEMA,
segundo especialistas, deviam-se atribuir ou à indisciplina dos porcos, que não
permaneciam onde deviam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de
controlar, às árvores excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao
Serviço de Informações Meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a
quantidade de chuvas, ou ...
As
causas eram – como se vê – difíceis de determinar porque, na verdade, o SISTEMA para assar porcos era muito
complexo. Fora montada uma grande estrutura com inúmeras variáveis. Havia
indivíduos dedicados a acender o fogo: os incendiadores, que ao mesmo tempo
eram especialistas de setores (zona norte, zona oeste, etc.); incendiador de
verão e inverno, com disputas jurídicas sobre o outono e a primavera.
Havia
especialistas em vento: os anemotécnicos. Havia um diretor de Técnicas Ígneas
(com seu Conselho Geral de Assessores); um administrador-geral de Florestamento
Incendiável; uma Comissão Nacional de Cultura e Técnicas Alimentícias (ISCUTA)
e o BODRIO (Bureau Orientador de Reforma ígneo-Operativa). O BODRIO era tão
grande que tinha Inspetor de Reforma para cada 7000 porcos, aproximadamente. E
era precisamente o BODRIO que propiciava anualmente, os congressos, os
seminários, as conferências e as jornadas. Mas isto só parecia servir para
incrementar o BODRIO em burocracia.
Tinha
sido projetada e encontrava-se em pleno crescimento a formação de novos bosques
e selvas, seguindo as últimas indicações técnicas (em regiões escolhidas
segundo determinada orientação, onde os ventos não sopravam mais do que três
horas seguidas e onde era reduzido o percentual de umidade).
Havia
milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo teriam que
ser incendiados. Havia especialistas na Europa, nos Estados Unidos estudando as
madeiras, as árvores e sementes, de melhores e mais potentes fogos e analisando
idéias operativas (por exemplo: como fazer buracos, para que neles caíssem os
porcos).
Havia
construções e professores formadores dos especialistas na construção de
estábulos para porcos. Universidades que preparavam os professores formadores
dos especialistas em construção, pesquisadores, os quais forneciam o fruto de
seu trabalho às Universidades que preparavam os professores e especialistas em
construção e Fundações que apoiavam os pesquisadores que davam o fruto de seu
trabalho às Universidades e estas preparavam os professores formadores dos
especialistas em construção.
As
soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar o fogo
triangularmente, logo após a raiz quadrada de A-1, pela velocidade do vento
sul, e soltar os porcos 15 minutos antes da temperatura média da floresta
alcançar 47 graus; outros diziam que era necessário pôr grandes ventiladores,
que serviriam para orientar a direção do fogo, e assim por diante... E não é
preciso falar que poucos especialistas estavam de acordo entre si. E que cada
um tinha pesquisas e dados para provar suas afirmações.
Um
dia, um incendiador Categoria SO/DMNCH (isto é, um incendiador de bosques
especialista Sudeste, diurno, matutino, com licenciatura em verão chuvoso)
falou que o problema era muito fácil de resolver. Tudo consistia, segundo ele,
em, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o
animal, colocando-o, posteriormente, numa jaula metálica ou armação sobre umas
brasas, até que o efeito do calor, e não das chamas, o assasse ao ponto.
Ciente,
o diretor-geral do Assamento mandou chamá-lo e perguntou: que coisas esquisitas
ele andava falando por ali? Depois de ouvi-lo, disse-lhe:
— O
que o senhor fala está bem, mas somente na teoria. Não vai dar na prática. Pior
ainda, é impraticável. Vamos ver: o que fazer com os anemotécnicos? E os
acendedores das diversas especialidades? E os especialistas em sementes, em
madeiras? E os desenhistas de estábulos de sete andares, com suas máquinas
limpadoras e perfumadoras automáticas? E os indivíduos que foram ao estrangeiro
para se especializar, durante anos, e cuja formação custou tanto? Vou pô-los
para limpar porquinhos? E os que têm se especializado todos esses anos em
participar de congressos, seminários, conferências e jornadas para a reforma e
melhoramento do SISTEMA? Se o que
senhor fala resolve tudo, que faço com eles?
O
senhor percebe agora que a solução não é a de que todos nós necessitamos? O
senhor acredita que, se tudo fosse tão simples, os nossos especialistas não
teriam achado a solução antes?
Veja
só! Que autores falam isso? Que autoridade pode avaliar a sua sugestão? O
senhor, por certo, imagina que eu não posso dizer aos engenheiros em
anemotécnica que é questão de por brasinhas sem chamas! O que eu faço com os
bosques já preparados, ao ponto de serem queimados, que somente possuem madeira
para fogo conjunto, cujas árvores não produzem frutos, cuja falta de folhas faz
com que não prestem para dar sombra? O que eu faço? Diga-me.
O
que eu faço com a Comissão Redatora de Programas Assados, com seus
Departamentos de Classificação e Seleção de Porcos, com a Arquitetura Funcional
de Estábulos, Estatística, População, etc.?
O
engenheiro em Porcoterapia não é uma extraordinária personalidade científica?
Bem, o simples fato de possuir extraordinários engenheiros em porcoterapia
indica que o SISTEMA é bom. E que
faço com indivíduos tão valiosos?
Viu?
O senhor tem que trazer a solução certa para certos problemas. Por exemplo,
fazer melhores anemotécnicos ou conseguir mais rapidamente acendedores do Oeste
(que é nossa maior dificuldade), como fazer estábulos de oito andares ou mais.
Traga-me uma resposta para que nossos bolsistas custem menos ou mostre-me como
fazer uma boa revista para análise profunda dos problemas da Reforma do
Assamento. É disto que necessitamos.
Agora
o senhor vê que o problema é mais sério e não tão simples como o senhor
imaginava.
O
incendiador não falou um “A”.
Sem
despedir-se, meio assustado e meio atordoado, com a sensação de estar
caminhando de cabeça para baixo, saiu. E, nunca mais, alguém o viu. Não se sabe
para onde ele foi. Talvez esteja aplicando, em outros locais, soluções simples
e transformadoras.
*
Texto parcialmente adaptado de um artigo de Forcane
Tilich, originalmente publicado em Juicio de La Escuela Cirigliano,
- Buenos Aires: Humanitas, 1976
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